3. Drenagem ácida, rebaixamento do lençol freático, equilíbrio hidrogeológico e a questão do abastecimento de água. Estes quatro pontos estão concatenados. A direção técnica da RPM argumenta que as rochas de filito da mina são em grande parte impermeáveis. Entretanto, esses filitos grafitosos são fraturados e intercalados com muitos bolsões de quartzo, o que indica a existência de fraturas. Além destas fraturas, há ocorrência de falhas, pois a mina do Morro do Ouro está em uma região de contato de pelo menos duas unidades geológicas de idades distintas. O falhamento nestas regiões de contato é intenso e as rochas se apresentam muito fraturadas. Estes falhamentos dão grande vazão à água. O próprio Córrego Rico, que atravessa a cidade de Paracatu, corre sobre uma destas falhas. Existe o risco de que estas fraturas tanto possam drenar acidez liberada na mina para as microbacias adjacentes, quanto seqüestrar água destas microbacias, afetando o equilíbrio hidrogeológico local. Os impactos mais imediatos da mineração concentram-se sobre o córrego conhecido como “Praia dos Macacos”, uma das nascentes do Córrego Rico, que margeia o bairro conhecido como Alto da Colina, e atravessa sob a BR 040 em direção à cidade de Paracatu. O aprofundamento da lavra certamente drenará água que, em condições normais verteria para o Córrego Rico. A RPM contemplou este cenário na elaboração de medidas de controle, incluindo o bombeamento de água para o Córrego Rico, enquanto o lago resultante do aprofundamento da lavra não seja preenchido pela água das chuvas até próximo do nível do lençol freático atual, atingindo um ponto de equilíbrio. Este ponto de equilíbrio, segundo modelagem feita pelo corpo técnico da empresa, deverá ocorrer de 11 a 16 anos após o fechamento da mina; entretanto, “após o encerramento das atividades da mina e o enchimento da cava (formação do lago), esta funcionará como uma grande bacia fechada, dentro do sistema hidrogeológico local. A modelagem prevê que, no pós-fechamento, os níveis de água subterrânea sofrerão depleção de 3 a 14 metros, em relação à condição atual, em parte da área mais próxima da mina” (1), o que lança dúvidas sobre quem arcará com os custos de manutenção da vazão do Córrego Rico, após o fechamento da mina. A manutenção da vazão do Córrego Rico é muito importante, seja por razões de ordem ecológica, paisagística e cultural, seja por razões de ordem sanitária, visto que todo o sistema de evacuação e tratamento de esgotos da cidade de Paracatu é baseado no transporte dos dejetos pela água. As tímidas medidas propostas pela RPM para compensar o impacto sobre o Córrego Rico, notadamente, o bombeamento de água e a construção de um Parque Ecológico Linear podem ser consideradas de natureza cosmética, porque não compensarão, de modo eficiente, a redução de vazão causada pela atividade da mineração. Seria preciso um conjunto de ações muito mais extensas, envolvendo a desapropriação de faixas de terrenos ao longo de todas as nascentes e córregos tributários do Córrego Rico dentro do perímetro urbano, sua recuperação ambiental, revitalização e proteção legal como Áreas de Preservação Permanente não edificável. Dois exemplos são o Córrego do Rasgão e o Córrego das Termas, que se originam de um afloramento do lençol freático no centro da cidade de Paracatu e encontram-se hoje quase totalmente canalizados. No passado, o Córrego das Termas fornecia água potável para a população de Paracatu. Além disso, será preciso tomar especial cuidado na análise independente dos possíveis efeitos dos represamentos das barragens de rejeitos e do rebaixamento do lençol freático – previstos no plano de expansão apresentado pela empresa – sobre a dinâmica hídrica nas microbacias do Córrego do Espalha e Ribeirão Santa Rita, adjacentes à microbacia onde a mineradora opera. A microbacia do Córrego do Espalha, juntamente com a do Ribeirão Santa Isabel, constituem uma APE – Área de Proteção Especial, criada pelo Decreto Estadual n° 29.587 de 03/06/1989 com a finalidade de proteger os únicos mananciais de abastecimento da cidade de Paracatu, o que justifica estas preocupações. A falta d’água na cidade aumenta a pressão de uso dos recursos hídricos destas bacias. Paracatu é uma das cidades brasileiras com o maior consumo per capita de água: são 180 litros de água/habitante/dia. A presença da RPM aumenta o consumo de água em Paracatu e cria novas necessidades de abastecimento, de várias formas, entre as quais citam-se: (i) o aumento da população de funcionários da RPM e de suas contratadas, que aumentam o consumo de água na cidade – essa água é proveniente do sistema APE/Ribeirão Santa Isabel; (ii) o aumento do gasto de água para limpeza dos domicílios e automóveis sujos pela poeira da mineração que atinge a cidade – essa água também é proveniente do sistema APE; (iii) o aumento do consumo de água na própria empresa, no processo de hidrometalurgia e carreamento dos rejeitos – esta água é proveniente da bacia do Ribeirão Santa Rita/São Pedro e dos tanques do Morro do Ouro; (iv) a perda de água por evaporação nas barragens de rejeitos (principalmente água do sistema Santa Rita/São Pedro) (v) a necessidade do aumento da captação de água na microbacia do Santa Isabel e nos córregos e nascentes urbanas, visando compensar a diminuição da vazão do Córrego Rico, causada pela destruição de duas nascentes deste córrego e da bacia de recarga das mesmas, o Morro do Ouro, que foi totalmente destruída pela mineração. As águas dos esgotos tratados da cidade de Paracatu retornam ao Córrego Rico, e essas águas são provenientes do sistema APE/Santa Isabel, cuja capacidade de produção e armazenamento de água deve ser aumentada; da mesma forma, os afluentes urbanos do Córrego Rico devem ser recuperados. Medidas: deve-se contratar uma equipe de especialistas independentes para a execução de um estudo hidrogeológico completo das microbacias do Córrego Rico, Ribeirão Santa Isabel, Córrego do Espalha e Ribeirão Santa Rita, e para a instalação e operação, nestas microbacias, de poços de monitoramento da qualidade e quantidade da água, situados em pontos a ser determinados pela equipe. Estes estudos e monitoramentos devem ser acompanhados, formal e sistematicamente, por um comitê permanente integrado por entidades do terceiro setor, produtores de água, consumidores de água e técnicos especialistas do Instituto de Tecnologia Ambiental que deverá ser criado em Paracatu (o ITAPAR, conforme será descrito adiante), e totalmente custeados pela RPM. Deve-se considerar ainda, a título de medida compensatória a ser implementada pela RPM, o custeio das obras que aumentarão a capacidade de captação e armazenamento de água nas microbacias da APE, na microbacia do Ribeirão Santa Rita e nas nascentes e córregos urbanos, como o Tanque do Nerva/Córrego do Rasgão, o Córrego das Termas, o Córrego dos Meninos, o Olhos d´água e outros afluentes urbanos do Córrego Rico. Espera-se que a RPM invista no Projeto Produtores de Água do Acangaú (vencedor do Prêmio Furnas Ouro Azul, em 2004) e na construção de uma barragem multifuncional (armazenamento de água, escada para peixe, lazer e turismo e geração de energia elétrica) no Ribeirão Santa Isabel, a montante do ponto de captação da COPASA, na margem direita da rodovia MG-188, sentido Paracatu-Guarda Mór. Defende-se também que a RPM é responsável pelo custeio de um projeto Produtores de Água na bacia do Ribeirão Santa Rita, uma vez que ele seria profundamente impactado pela nova barragem planejada pela empresa, e pela recuperação das nascentes e córregos urbanos tributários do Córrego Rico, já citados.
1 Eduardo Chapadeiro, David Banton, Celso de Oliveira Loureiro, Juliana M. M. Esper, Rodrigo Dutra Amaral: Estudos Hidrogeológicos na Mina Morro do Ouro, Paracatu, MG.
Continua em RELATORIO PARTE 5
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