segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

PAGAMENTOS FACILITADORES

PAGAMENTOS FACILITADORES

O "Code of Business Conduct and Ethics" (Código de Ética e Conduta nos Negócios) da Kinross, controladora da RPM - RIO PARACATU MINERAÇÃO, diz:

"Small "facilitation payments" intended to secure a routine business service or have routine administrative actions performed by public officials, such as obtaining phone service or police protection, may be made to foreign public officials unless prohibited in the relevant jurisdiction. In addition, it is a defence to the anti-bribery provisions that the payment, gift or benefit was lawful under the written laws of the foreign state for which the foreign public official performs duties or functions. It is also a defence that the payment or benefit was made to pay reasonable expenses incurred in good faith by or on behalf of the foreign public official that are directly related to the execution or performance of the contract between Kinross and the foreign state for which the official performs duties or functions." (http://www.kinross.com/corporate/governance-conduct.html )

A expressão "facilitation payments" é traduzida como "pagamentos facilitadores", e é assim porque se trata de uma prática corrente, como pode ser visto no código de ética de outra grande empresa multinacional:

"Em alguns países, às vezes pode ser usual pagar a funcionários públicos para desempenharem as tarefas exigidas. Esses pagamentos facilitadores, como são conhecidos, são pequenas quantias pagas para facilitar ou acelerar atos governamentais de rotina, não discricionários, tais como a obtenção de serviço telefônico ou uma licença comum. Já a propina, em contraposição, que nunca é permitida, é dar ou oferecer algo de valor a um funcionário público para influenciar uma decisão discricionária."
( http://www.thecoca-colacompany.com/ourcompany/pdf/COBC_Portuguese.pdf )

Os pequenos "pagamentos facilitadores" no Brasil são conhecidos como: caixinha, gorgeta, graxa, molhar a mão, jabaculê, cafezinho, cervejinha etc.

Os grandes "pagamentos facilitadores" no Brasil são conhecidos como propina.

A diferença entre pequenos e grandes pagamentos facilitadores é só no valor, ou seja, são pagamentos para que os funcionários públicos façam aquilo que é da obrigação fazer.

No Brasil é assim:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DO BRASIL

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

LEI Nº 8.429 - DE 2 DE JUNHO DE 1992 - DOU DE 3/6/92 - LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

Existem várias regras técnicas para interpretação de leis mas, no senso comum, a "vergonha na cara" é a regra.

Interpreta-se a lei com "vergonha na cara" quando queremos preservar a moral e a ética, como se interpreta uma gravidez: não existe gravidez pequena ou gravidez grande, ou seja ou está ou não está.

Interpreta-se a lei sem "vergonha na cara" quando se quer passar pelas beiradas da moral e dá ética, tal como colocar um travesseiro na barriga para que a aparência da gravidez permita usar o privilégio da fila especial no banco.

Um exemplo de pequeno pagamento facilitador é dar gorgeta para o garçon arrumar uma boa mesa num restaurante ou prometer um cafezinho para o lavador de carros dar uma caprichada, ou seja, para arrumar uma boa mesa num restaurante cheio o garçon "gorgetado" passará alguém para trás, e o lavador de carros demonstrárá que sem o cafezinho o serviço prestado seria uma grossa porcaria.

Garçon e lavador podem aprender, facilmente, que receber "algum" para cumprir a obrigação é um bom negócio.

Exemplos de grandes pagamentos facilitadores aparecem na mídia acontecendo em Brasília e outros lugares nobres, e geram CPIs e processos judiciais.

Os bons operadores de pagamentos facilitadores são espertos e qual macacos velhos que não põe a mão em cumbuca, sabem andar na tábua da beirada sem cair, coisa muito parecida com agradar o pai e a mãe para conquistar a moça para o namoro e casamento.

Namorar e casar é um bom propósito, mas adular o pai e a mãe da moça para que eles ajudem a fazer a cabeça dela pode ser feito só para tirar proveito do namoro e sumir antes de casar, e isto é um mau propósito.

O que o moço namorador faz com os pais da moça é uma espécie de "pagamento facilitador": uma vara de pescar para o pai, um ramalhete de flores para a mãe, e a facilitação começa a operar: "que bom rapaz, atencioso ...".

Pais responsáveis sentam o rapaz namorador e lêem para ele o "abc da onça", ao qual só resistem ouvir os de bons propósitos.

Ora, se os tais "pagamentos facilitadores" são outra coisa que não sabemos o que é, ou são coisa diferente daquilo que as empresas exemplificadas escrevem e assinam embaixo, elas que venham a público explicar de forma clara o que são e o que estão querendo facilitar.

Responsabilidade social ou responsabilidade ambiental de empresas não podem ser distribuição de benefícios à sociedade fazendo aquilo que não pudemos nós mesmo fazer por falta de capacidade própria.

Responsabilidade social e ambiental, ou sócio-ambiental, é ajudar a sociedade a crescer e construir, fazendo isto com respeito à dignidade da pessoa humana.

Estou certo de que a RPM-KINROSS não está cumprindo a Constituição da República do Brasil.

Pode até estar cumprindo a lei, mas isto não é o bastante num país em que as leis nem sempre pegam ou são feitas para atenderem a interesses do que o próprio governo chama de desenvolvimento.

O direito das populações é algo a ser resolvido na Constituição:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

Serrano Neves
Procurador de Justiça Criminal em Goiás.

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