terça-feira, 8 de janeiro de 2008

"CRIMES" AMBIENTAIS

"CRIMES" AMBIENTAIS

Deus proteja que não exista ouro embaixo de toda a cidade e nos livre de Paracatu estar sendo comida pelas beiradas antes que resolvam comer no meio do prato.

Crime é uma palavra forte, tão forte que é usada pelos leigos quando acontece alguma coisa que afronta o senso comum.

"Jogar comida fora é crime, quanto existe tanta gente passando fome."

A expressão popular se enquadra na Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale: FATO = jogar comida fora, VALOR = tanta gente passando fome, NORMA = jogar comida fora é crime.

Crime é um senso comum de agressão a alguma coisa cuja integridade queremos manter, e é assim que as leis criminais foram construídas.

O crime da lei é algo mais complicado porque tem seus objetos e sujeitos definidos na lei, mas o crime do senso comum é apenas o sentimento de que alguma coisa está sendo agredida, quando algum fato causa repulsa, tal como um adulto espancando uma criança ou um esperto negociando com um bobo.

Os leigos que taxam as situações mais graves de agressão como "crime" são também capazes de entender o que é "abuso de direito" mesmo em situações comuns como no caso de alguém nos pedir para manobrar nosso carro para lhe dar passagem e aproveitar para nos xingar. Pedir para tirar o carro é direito, mas xingar é abuso do direito.

Dizer se a mineradora em Paracatu está cometendo crime legal é um trabalho para as autoridades locais do Ministério Público e do Judiciário, mas quanto ao "crime" leigo e ao abuso de direito o trabalho é nosso, da população, pois estaremos dizendo do que agride nossos sentimentos e do que achamos que não é razoável.

Propor a compra de propriedades ou anunciar a servidão minerária é direito, mas ameaçar a desvalorização, a exposição a risco, e a ação judicial contra pequenos proprietários rurais ou urbanos é abuso de direito, ou "crime" leigo.

A mineradora está avançando sobre a cidade, comprando as casas dos humildes que à custa de muito trabalho compraram seus terrenos e edificaram com o próprio suor.

Se a lei permite isto não importa, o que importa é que a Cidade de Paracatu está sendo transformada em lavra para formar riqueza no estrangeiro, simplesmente pela compra de propriedades, sem nenhum respeito à pessoa humana, apenas com o poder do dinheiro e com a ameaça da lei.

Parece que as pessoas não valem nada mais do que as propriedades que possuem.

Deus proteja que não exista ouro embaixo de toda a cidade e nos livre de Paracatu estar sendo comida pelas beiradas antes que resolvam comer no meio do prato.

Distribuição de pequenos benefícios à população podem comprar simpatia, mas são tão pequenos que com um mínimo de esforço nós mesmos poderíamos fazê-los.

Esses pequenos benefícios são usados para esconder o gigantesco buraco da mineração e fazer calar a boca do povo, mas não compram as consciências livres.

Não podemos deixar para nossos filhos e netos a herança do medo e da rendição ao poder do dinheiro, ainda mais que esse dinheiro é tirado debaixo dos nossos pés para humilhar nossas cabeças.

Paracatu é a cidade na qual, na minha infância, aprendi o que é dignidade da pessoa humana, e lutarei para que a dignidade volte a ser estampada no rosto dos paracatuenses cujos pais viveram com essa dignidade antes que a mineradora chegasse.

Paulo Mauricio Serrano Neves
Procurador de Justiça Criminal em Goiás
filho de Geraldo Serrano Neves que foi Promotor em Paracatu.

Um comentário:

  1. Penso que devemos consultar o Relatório de Impacto Ambiental que deu orígem à licença de instalação para a atividade de exploração de ouro em Paracatu pela RPM. O EIA/RIMA não deve ser apenas um documento legalista, mas deve ir muito além dos aspectos ambientais, mas adentrar a sua análise para os aspectos sócio-econômicos e de saúde da população impactada pela atividade. É um documento público, que pode ser acessado por todos nós. Pode ser questionada, inclusive, a sua licença. Penso que este é um caminho para que se consiga algo de início para conter estes abusos.

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