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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Santos Rios: Paracatu

*Santos Rios: Paracatu (*)*

"Os rios são nossos irmãos. O que acontece a eles, acontecerá também a nós.
Há uma ligação em tudo." Assim se dirigiu um chefe Seattle ao presidente dos
Estados Unidos, nos tempos da corrida do ouro no oeste americano. O espírito
do chefe nos rodeia, perturbado e descontente. Os rios, nossos irmãos, estão
morrendo por causa do ouro e da falta de quem os acuda. E quem irá nos
acudir? Porque nós também estamos morrendo por causa do ouro e da falta de
quem nos acuda. Porque há uma ligação em tudo.

Olhem para nossos irmãozinhos! Conversem com eles, cantem seus réquiens,
derramem neles suas lágrimas e se apiedem deles! Estão mortos ou doentes,
mas eram vivos, alegres, saudáveis, generosos e santos, antes da mineração.

- Córrego Rico! Seu leito rico pariu Paracatu e seus filhos, e você foi
apunhalado pelas costas, no leito onde você mesmo nascia, no Morro da Cruz
das Almas. Escavaram suas nascentes, você perdeu água, perdeu sangue, perdeu
fôlego, empobreceu, perdeu a alma. Ficou doente, te enfiaram numa
hemodiálise, piorou e foi parar numa UTI. Hemodiálise nenhuma te livra da
morte lenta do veneno que você não consegue mais depurar do seu corpo, por
falta d'água. UTI nenhuma vale as águas que te roubaram. Triste fim, para
quem nos deu a vida. Injustiça! Ignorância! Ingratidão! Burrice! Agora quem
terá piedade de nós? O que acontece ao rio, nosso irmão, acontecerá a nós.
Porque há uma ligação em tudo.

- São Domingos e Santo Antônio! Nossos santos irmãozinhos, pobrezinhos, seus
corpinhos sujinhos, raquíticos, retirantes, só fazem derramar lágrimas.
Parece que foram excomungados, retirados do nosso convívio, com violência. O
que fizemos? O que pudemos fazer, vendo irmãozinhos impiedosamente
violentados, desonrados, sangrados e mortos? São Domingos! Dominguinhos! Não
ouve mais não, Minguinho? Ainda há vida nesse corpinho seco, sujo, largado?
Que maldade fizeram a você? Nem funeral seu fizeram! Lágrimas sobre seu
corpinho não derramaram. Quem derramará sobre o nosso?

- Santo Antônio, Toninho querido, nosso irmãozinho! Maninho,
lembra do brinquedo alegre na água fresca, nas tardes quentes? Trituraram
sua infância, entupiram suas artérias, ergueram barragem de trombos. Para
UTI você não vai; hemodiálise também não. Já é tarde, irmãozinho, não há
mais o que fazer, porque de tudo nem ao menos tentamos salvá-lo antes.
Ninguém vai derramar lágrimas sobre seus restos mortais envenenados, porque
carregam a morte, a que queremos longe de nós, de incerto jeito. Você virou
espírito, lembrança apenas, retrato em álbum de família. O que será da nossa
família? Porque há uma ligação em tudo. Há uma ligação em tudo...

- Santa Rita, Ritinha, mina d´água e maninha minha, agora é sua hora e sua
vez! Até quando haverá mais uma vez? Até quando haverá irmãos dos rios, e
filhos das águas dos rios? Há uma ligação em tudo. Ignorância útil e
ganância fútil ameaçam matar Santa Rita, entupir suas nascentes com nova
barragem de lama. Só sobrará Santa Isabel, e aí será tarde demais, porque
todo rio aqui é santo, e há uma razão em tudo, e em todos.

- Paracatu, rio bom, rio santo! Filho dos rios santos que vão morrendo de
sede, trombose, afogamento, envenenamento. Suas águas são choros de criança.

Rios também morrem e matam de sede, morrem e matam de doença. Há uma ligaçãoem tudo. Tenham piedade das grotinhas, veredas, corguinhos, ribeirões erios, nossos santos irmãozinhos, da grande família do Paracatu. Tenhampiedade de nós, tenham piedade de si próprios, pobres diabos que não sabem oque fazem, e o que não fazem. Porque há uma ligação em tudo.

*(*) Sergio Ulhoa Dani, em defesa da irmã, Ritinha, ameaçada de morte pela
mineração de ouro. 18 de fevereiro de 2009. Dia de uma reunião do COPAM para
apresentar o projeto da barragem das nascentes do Santa Rita.*

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Expansão da Kinross em Paracatu: pior do que um crime, é um erro

Setembro de 2008

Expansão da Kinross em Paracatu: pior do que um crime, é um erro

"Não faz sentido pagarmos à RPM-Kinross para que ela nos mate. Essa mineradora deve ser obrigada a paralisar imediatamente suas atividades danosas, indenizar a população de Paracatu, recuperar o ambiente, pedir desculpas ao povo brasileiro e retornar ao Canadá, de onde nunca deveria ter saído"


Sergio Ulhoa Dani (*)

A mineração de ouro a céu aberto da RPM-Kinross em Paracatu é inviável por razões econômicas, sociais, ambientais e sanitárias. Entre os principais motivos pelos quais defendemos a imediata cassação das licenças de mineração da RPM-Kinross em Paracatu e a responsabilização desta empresa, figuram os danos à saúde e as perdas de vidas humanas.

Se no Canadá, país de origem da Kinross Gold Corporation, mineração de ouro a céu aberto em perímetro urbano não é permitida, então não entendemos por que esta empresa canadense pode minerar ouro a céu aberto na cidade de Paracatu, Minas Gerais, Brasil? Se somos todos seres humanos, então o que não é bom para os canadenses, também não deve ser bom para os brasileiros, e a empresa e seus dirigentes, e também os nossos governantes, devem saber disso.

Várias substâncias químicas venenosas estão presentes nas rochas da mina de ouro de Paracatu, como chumbo, cádmio, crômio, cobre, mercúrio e arsênio, e são liberadas para o ambiente pela atividade da mineradora RPM-Kinross. Dessas substâncias, o metalóide arsênio talvez seja o mais danoso, e seus efeitos tóxicos e carcinogênicos no ser humano podem ser intensificados pelos demais elementos.

Para cada grama de ouro presente no minério, há cerca de 300 a 3000 gramas de arsênio. Considerando o valor médio de 1000 gramas de arsênio para cada grama de ouro extraído da mina de Paracatu, e o valor médio de 0,4 g de ouro por tonelada de minério processado pela RPM-Kinross (número divulgado pela empresa), então as mais de 300 milhões de toneladas do rejeito do minério depositado na barragem de rejeitos e nos tanques específicos da RPM-Kinross contêm cerca de 120 mil toneladas de arsênio finamente moído.

Se apenas 1% desse arsênio estiver numa forma biodisponível ou assimilável, já é uma quantidade suficiente para matar 6 bilhões de pessoas, ou toda a população de seres humanos que hoje habitam o planeta Terra. Se apenas 0,1% estiver biodisponível, já é veneno suficiente para matar toda a população das Américas. Para transformar Paracatu numa cidade fantasma, basta que 0,00001% desse arsênio esteja biodisponível. Os representantes da mineradora transnacional argumentam que neutralizam e descartam o arsênio adequadamente e com segurança – o que consideramos insuficiente e improvável, dado o enorme volume de arsênio mobilizado pela mineração e as inúmeras vias pelas quais esse arsênio pode ser lentamente liberado para o ambiente.

Os riscos de contaminação por arsênio e metais pesados antropogênicos estão aumentados em Paracatu, devido à atividade da mineração de ouro, conforme comprovado por várias análises químicas ambientais e relatórios, que foram só parcialmente publicados. A mineradora não consegue controlar totalmente as liberações lentas de compostos de arsênio e outros poluentes dos solos da mina a céu aberto, das poeiras, dos sedimentos e dos depósitos de rejeitos. Com base na literatura científica mundial sobre fluxos e concentrações globais de arsênio na atmosfera, estima-se uma deposição anual de 300 g de arsênio por hectare por ano no assentamento urbano de Paracatu. Há indícios que a mineração de ouro a céu aberto nos últimos 20 anos aumentou essa taxa de deposição. Com o projeto de expansão III almejado pela mineradora (ver nota 1, ao final deste artigo), essa taxa deve aumentar ainda mais, agravada pela drenagem ácida na mina, pelo aprofundamento da mina e rebaixamento do lençol freático, pelo clima quente e seco da cidade na maior parte do ano, pelos ventos e pelo tráfego de milhares de veículos, na mina e na cidade.

As emissões novas de arsênio somam-se à fração liberada do arsênio acumulado no ambiente durante 20 anos de mineração a céu aberto, constituindo a quantidade que pode ser efetivamente reabsorvida pelas pessoas, causando doenças. Essa quantidade e seus efeitos ainda são desconhecidos pela população de Paracatu, pela comunidade científica e pelas autoridades, por falta de um estudo epidemiológico clínico-patológico-laboratorial e atuarial abrangente. É incompreensível que a mineradora RPM-Kinross seja autorizada a expandir sua atividade minerária em Paracatu, nestas condições precárias. Um grama de arsênio numa forma inorgânica (por exemplo, o trióxido de arsênio, arsenatos e arsenitos de alumínio e ferro, arsênio sulfetado, espécies voláteis de arsênio e várias outras espécies) pode matar até 7 pessoas adultas. Em tese, o arsênio depositado anualmente em Paracatu seria suficiente para matar toda a população da cidade, se fosse absorvido de uma só vez pelas pessoas. Isso claramente não se verifica, porque o arsênio não é depositado de uma só vez, mas sim ao longo do ano, ininterruptamente. Nessa condição, ele não causa morte aguda das pessoas, e sim intoxicação crônica e seus efeitos, entre os quais sobressai o câncer. Quando uma substância é carcinogênica, não existe dose de exposição segura, devendo-se atentar para o fato de que toda a população está potencialmente exposta ao risco de câncer.

Os funcionários da mina são a parte da população mais diretamente exposta ao risco de intoxicação, mas eles são mais resistentes, porque são adultos saudáveis selecionados pela mineradora para trabalhar em um ambiente contaminado. Quando chegam a apresentar sintomas de intoxicação, como já observamos em Paracatu e deverá piorar com a expansão da mina e o passar dos anos, significa que a situação já está crítica para o restante da população. Os fetos, os bebês e as crianças são mais vulneráveis ao risco de intoxicação crônica, porque eles absorvem e acumulam mais arsênio relativamente aos adultos. Em um levantamento preliminar, encontramos alguns casos de crianças, adolescentes e adultos jovens com sinais sugestivos de intoxicação crônica, como manchas de pele e ceratoses (nódulos e espessamento da pele). Já existe um aumento aparente dos casos de câncer, hipertensão arterial e afecções do trato respiratório, que precisam ser avaliados, em um estudo epidemiológico clínico- patológico-laboratorial e atuarial.

Quando esses sinais aparecem, devemos considerar que os riscos de câncer e outras doenças causadas pela intoxicação crônica por arsênio já estão aumentados na população em geral, e entre as crianças, adolescentes, adultos jovens e idosos, em especial. Trabalhos científicos publicados em revistas de circulação internacional detectaram incidências de diversos tipos de câncer (especialmente cânceres de pele, pulmão, bexiga e renal) aumentadas de até 50 vezes os valores regulatórios, em comunidades vizinhas às minas contaminadas por arsênio. Arsênio não tem cheiro nem gosto e os efeitos da intoxicação crônica podem demorar para ser observados. Fêmeas de animais de laboratório grávidas, alimentadas com dietas contendo concentrações de arsênio típicas de ambientes humanos contaminados, produzem filhotes que desenvolvem mais câncer na idade adulta que o normal.

Os efeitos da intoxicação crônica por arsênio se manifestam em vários sistemas: (i) pele e unhas (lesões múltiplas de pele, como manchas avermelhadas que ficam marrom-escuras com o tempo – a chamada melanose, podendo aparecer num padrão característico, semelhante a "gotas de chuva sobre a poeira"; ceratoses, que são nódulos ou placas de pele endurecida nas mãos, pés, pernas e braços, que podem aparecer de um ano até depois de mais de 20 anos de exposição crônica ao arsênio; lesões pré-cancerosas e cancerosas, como Doença de Bowen – carcinoma celular escamoso in situ que ocorre no tronco, em lesões múltiplas que variam de 1 mm a 10 mm – e carcinomas espino-celulares e baso-celulares; unhas dos dedos da mão finas e frágeis, apresentando linhas esbranquiçadas); (ii) sistema nervoso (dores de cabeça, neuropatia periférica, confusão mental, diminuição do QI verbal e da memória); (iii) sistema cardiovascular (hipertensão arterial e cardiopatia isquêmica e suas conseqüências, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral); (iv) sistema hematopoiético (aplasia medular, anemia, leucopenia, trombocitopenia, leucemia); (v) sistema digestivo (náuseas, vômitos, diarréia, dores abdominais, hemorragia intestinal, lesões e tumores do fígado); (vi) sistema urinário (câncer renal e câncer de bexiga); (vii) sistema respiratório (rinites, laringites, traqueobronquites, asma e câncer de pulmão); (viii) sistema reprodutivo (abortos, mal-formações congênitas - bebês que nascem com baixo peso, aberrações genéticas ou defeitos físicos); (ix) sistema endócrino (câncer de próstata, diabetes e outras alterações hormonais).

A intoxicação crônica por arsênio pode se manifestar através de sinais inespecíficos, como mialgia, fraqueza muscular, dor abdominal e sudorese excessiva. Por que nem todas as pessoas expostas ao risco adoecem, ou adoecem de forma diferente, ou em épocas diferentes? Por causa dos diferentes graus de exposição e das diferenças genéticas e fisiológicas naturais entre as pessoas. Por exemplo, uma grande porcentagem da população (30-40%) que bebe água contaminada com arsênio pode apresentar níveis elevados de arsênio na urina, cabelo e unhas, sem mostrar sintomas clínicos aparentes, como lesões de pele. Nem por isso, essas pessoas estão a salvo dos efeitos carcinogênicos do arsênio. Acredita-se que as pessoas que conseguem eliminar o arsênio de forma mais eficiente estão mais protegidas, enquanto as que eliminam o arsênio mais lentamente acumulam esse veneno no organismo, e adoecem mais cedo e de forma mais grave. Já existem testes de DNA capazes de indicar se uma pessoa é do tipo metabólico "rápido" ou "lento".

Nos Estados Unidos, estimativas do valor de uma vida humana para os sistemas de saúde e para fins de cálculo de indenizações por perdas e danos à saúde provocados por riscos ambientais variam de US$ 1,5 milhão a US$ 20 milhões de dólares. Em 2000, a Agência de Proteção Ambiental, EPA, daquele país, estimou em US$ 6,1 (seis milhões e cem mil dólares) o valor de cada vida perdida por causa da intoxicação crônica por arsênio, ou seja, cerca de 10 milhões de reais. Se multiplicarmos esse valor pelo tamanho da população de Paracatu mais exposta ao risco (10 mil pessoas, ver nota 2, ao final deste artigo) chegaremos, hoje, a um valor de 60 bilhões de dólares, cerca de 100 bilhões de reais em indenizações a que essas pessoas e o sistema de saúde público têm direito.

A produção total de ouro prevista para o projeto de expansão III da RPM-Kinross, estimada em 450 toneladas, avaliadas hoje em 21 bilhões de dólares, não dará para pagar nem metade dessas indenizações, e muito menos as indenizações das crianças que nascerão nas próximas décadas e a recuperação ambiental obrigatória. Mas, se depender apenas da vontade da empresa e da fraca legislação minerária brasileira, somente 2% do valor da produção total (ou o equivalente a menos de 1% das indenizações pelas vidas perdidas), ficam em Paracatu, na forma de impostos, royalties e compensações financeiras. Então a expansão da mina não é viável, mesmo porque nenhuma atividade econômica paga com vidas humanas pode ser considerada "viável". Não faz sentido pagarmos à RPM-Kinross para que ela nos mate.

Os riscos relacionados com arsênio são um assunto global, e os danos sócio-ambientais decorrentes de 20 anos de mineração de ouro estão evidentes em Paracatu. Vários cientistas, médicos e voluntários de diversas profissões, neste país e no exterior, estamos empenhados, desde 2007, em levantar e difundir as evidências científicas sobre a intoxicação crônica por arsênio e metais pesados em Paracatu. Resta ao povo brasileiro e ao povo canadense, às autoridades dos dois países e às cortes nacionais e internacionais acionarem a empresa mineradora transnacional Kinross Gold Corporation e seus dirigentes, obrigando-os a paralisar imediatamente a mineração em Paracatu, custear todas as despesas com os estudos, monitoramentos e cuidados médicos da população, pagar todas as indenizações devidas, recuperar desde já o ambiente degradado, pedir desculpas ao povo brasileiro e voltar para sua casa, no Canadá, de onde nunca deveriam ter saído.

(*) Sérgio Dani é médico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil; doutor em medicina pela Medizinische Hochschule Hannover, Alemanha; pós-doutorado no Instituto de Pesquisa de Proteína da Universidade de Osaka, Japão; pós-doutorado no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, São Paulo, Brasil; livre-docente em Genética pela Universidade de São Paulo, Brasil; cientista e presidente da Fundação Acangaú, Paracatu, Brasil. srgdani@gmail.com.

Figuras:






Leituras sugeridas e notas:

Ackerman F, Heinzerling L (2002) The $6.1 Million Question. Working Paper No. 01-06, Global Development and Environment Institute. Tufts University, Medford MA 02155, USA. http://ase.tufts.edu/gdae

Bagchi S (2007) Arsenic Threat Reaching Global Dimensions. Canadian Medical Association Journal, 177, (11), 1344-1345.

Deschamps E, Matschullat J (orgs.) Arsênio Antropogênico e Natural: um Estudo em Regiões do Quadrilátero Ferrífero. Belo Horizonte, 2007, FEAM, 330 p.

Diaz Barriga,F, Santos MA, et al. (1993) Arsenic and cadmium exposure in children
living near a smelter complex in San Luis Potosi, Mexico. Environ Res 62(2): 242-
50.

Kapaj S, Peterson H, Liber K, Bhattacharya P. (2006) Human health effects from chronic arsenic poisoning – a review. J Environ Sci Health A Tox Hazard Subst Environ Eng. 2006;41(10):2399-428.

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Lee JS, Chon HT, Kim KW (2005) Human risk assessment of As, Cd, Cu and Zn in the abandoned metal mine site. Environ Geochem Health. Apr;27(2):185-91.

Mackenzie CJ, Kyle JH (1984) Two examples of environmental problems
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Polizzotto ML, Kocar BD, Benner SG, Sampson M, Fendorf S. (2008) Near-surface wetland sediments as a source of arsenic release to ground water in Asia. Nature. Jul 24;454(7203):505-8.

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Zhao X, Feng T, Chen H, Shan H, Zhang Y, Lu Y, Yang B. (2008) Arsenic trioxide-induced apoptosis in H9c2 cardiomyocytes: implications in cardiotoxicity. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2008 May;102(5):419-25.


Nota 1: O projeto de expansão III da mineradora RPM-Kinross prevê o aprofundamento da mina atual em 100 metros e sua extensão para a região noroeste. O projeto também prevê a construção de uma nova barragem de rejeitos com capacidade para armazenar mais de um bilhão de toneladas de rejeitos, quatro vezes a capacidade da barragem atual. A nova barragem soterrará um vale com três nascentes importantes do Ribeirão Santa Rita, um importante curso d’água que fornece água para usos agrícolas em Paracatu. A agricultura é a principal atividade econômica do município, que possui 40 mil hectares de lavouras irrigadas. O volume de água necessário para atender o projeto de expansão III da mina da RPM-Kinross daria para irrigar 120 mil hectares de lavouras. O represamento da água das chuvas numa nova barragem de rejeitos da mineradora e sua contaminação por arsênio e metais pesados assusta os agricultores e a população de Paracatu.

Nota 2: A população de Paracatu é de 100 mil habitantes, em 2008. Para fins de estimativa, consideramos que a parte mais vulnerável dessa população são as pessoas nascidas a partir do ano de 1980, as que são mais sensíveis ao arsênio, seja pela idade, seja pela constituição genética, algo em torno de 10.000 pessoas, em 2008. Essa estimativa concorda com a de Allan Smith, da Universidade da Califórnia em Berkeley, segundo a qual uma em cada 10 pessoas morre em decorrência da exposição crônica ao arsênio.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O enterro do Córrego Rico

O enterro do Córrego Rico (*)

Ouço o rádio anunciar uma revitalização. Ouço sinos que anunciam um enterro. Não perguntem de quem. É o enterro do Córrego Rico, da nossa vida, da nossa dignidade.
O enterro da verdade, a ocultação dos males. E lá, onde plantaram a morte, esperam colher a vida. Onde construíram a mentira, fingem dizer a verdade.

E qual é a verdade? Antes da chegada da RPM em Paracatu, tínhamos mais água no Córrego Rico; nosso córrego tinha mais vida, porque suas nascentes principais estavam intactas no Morro do Ouro, o Morro da Cruz das Almas. A RPM destruiu essas nascentes. Não foi o garimpo e os garimpeiros que diminuíram a água da praia, foi a RPM. A água que antes corria para o córrego agora fica presa nos tanques cavados pela mineradora na lavra do morro.

Furto de água é crime. A transnacional RPM-Kinross usa toda a água furtada do córrego na sua usina. Sem dúvida alguma, a RPM é a principal malfeitora do Córrego Rico. Exatamente por isso, foi obrigada, pelos promotores de justiça de Paracatu, a recuperar o córrego. Isso é bom e justo e também é o que a sociedade de Paracatu almeja. Isso faz sentido.

O que não faz sentido é toda a política e propaganda enganosa da empresa sobre um projeto polêmico de recuperação, que ainda poderá criar problemas para a comunidade. O que é mais importante: o Córrego Rico para Paracatu, ou o Córrego Rico para a propaganda e a política da RPM?

Assim como um paciente que teve hemorragia só pode sobreviver com uma transfusão de sangue, um córrego doente e assoreado, que perdeu suas nascentes e boa parte da sua água, só pode ser revitalizado com mais água. Para recuperar seus poços, onde antes rebojava a água, nadavam peixes e brincavam crianças, o córrego precisa de mais água e também que se retire o cascalho do seu leito assoreado.

É assim que defendemos a limpeza e o desassoreamento da calha do Córrego Rico, a verdadeira recuperação e proteção de sua mata ciliar e a recuperação do Córrego do Espalha e dos outros córregos do assentamento urbano de Paracatu que ainda contribuem água para o Córrego Rico. Consideramos que a construção de parques lineares nas margens dos córregos fere a legislação ambiental, cria estruturas de difícil manutenção para a administração pública e prejudica a restauração dos processos naturais. Construção em margem de córrego é negação da natureza. Melhor é mata, que cuida de si mesma; basta que seja protegida por cercas, portarias de controle de acesso, guardas-mirins e monitores.

Então o de que o Córrego Rico realmente precisa e a coletividade merece é mata nativa em margens largas, com aves, frutas, água limpa e peixes, tanto no Córrego Rico como nos seus tributários urbanos. Um verdadeiro projeto de frutificação urbana. As únicas edificações que poderiam ser admitidas seriam trilhas para pedestres e ciclovias, fora das áreas de preservação permanente.

O Córrego Rico foi o início de tudo, em Paracatu. O Córrego Rico não precisa de maquiagem verde e o povo não merece o desrespeito e as soluções indecentes de uma empresa transnacional. Paracatu tem história! O de que o Córrego Rico precisa é de mais água e de mais proteção.

Não se admite que os destinos do Córrego Rico sejam traçados “na calada”. Não se faz política pública “na calada”. Isso é estelionato político! Uma cidade e um país precisam da liderança servidora de pessoas honestas e preparadas. O povo merece ações decentes, o povo exige respeito!

A RPM-Kinross é obrigada a recuperar o meio-ambiente degradado, não da forma que ela acha que deve, mas de acordo com as soluções técnicas aprovadas pelo órgão público competente. O Ministério Público, que é o órgão competente pelo cumprimento desta obrigação, após ouvir a população, deverá cobrar da empresa uma correta execução desta obrigação.

E a população precisa cerrar fileiras para cuidar do seu patrimônio, como se estivesse cuidando de si mesmo. Amai ao próximo como a si mesmo – não é isso o que nos ensina um conhecimento milenar de sobrevivência? O Córrego Rico e os córregos urbanos de Paracatu são os nossos próximos. Podemos até pensar no São Francisco, que está lá mais longe, mas devemos agir é sobre o Córrego Rico e suas nascentes, que são o problema mais próximo, o que nos compete resolver. Vamos zelar pela execução de medidas reparatórias realmente eficientes, mais abrangentes, conforme já indicamos e cobramos dos órgãos ambientais.

Do seu leito de morte, o Córrego Rico quer ressuscitar. Vamos ajudá-lo. Estamos juntos, vamos juntos. Vamos salvá-lo das imposturas dos predadores que aqui se infiltraram e feriram, “na calada”, o direito à escolha, à decência, à verdade e à vida.

(*) Crônica de Sergio U. Dani, presidente da Fundação Acangaú, maio de 2008