Exmo. Sr.
Olavo Remígio Condé
DD Prefeito de
Paracatu
Prefeitura
Municipal de Paracatu MG
Assunto: Pedido Administrativo
Paracatu, 23 de
fevereiro de 2017
Exmo. Sr. Prefeito Condé
Diante de vossa
recusa de dialogar sobre a grave situação da saúde pública em Paracatu, após o
cancelamento, por suas auxiliares, de audiências agendadas em vosso gabinete, nada
mais resta senão expor o assunto que seria tratado pessoalmente nas audiências
e requerer o seguinte.
Em 2009,
ingressamos, na corte judicial de Paracatu, com a Ação Civil Pública (ACP) No.
0618120-41.2009.8.13.0470, pedindo à Prefeitura de Paracatu e à mineradora
Kinross a realização de um estudo epidemiológico, clínico e laboratorial da
intoxicação crônica da população de Paracatu pelo arsênio e outros poluentes liberados
pela mineração de ouro a céu aberto, em larga escala, em rocha arsenopirita.
Em 2014, portanto 5
anos após o ingresso da referida ACP, a Prefeitura apresentou um relatório do
CETEM-Centro de Tecnologia Mineral baseado em metodologia inadequada e
resultados invalidados pela própria equipe do CETEM, um órgão sem competencia
médica alguma e historicamente ligado à mineradora de Paracatu, inclusive com
vultosos repasses de recursos financeiros da mineradora e da Prefeitura para o
dito.
Ao mesmo tempo, a
mineradora Kinross contratou outras equipes de pesquisadores não-médicos para
realizar levantamentos em Paracatu cujas metodologias inadequadas e conclusões
inválidas, assim como o relatório do CETEM, só fizeram ocultar e polemizar o
grave problema ambiental e de saúde pública de Paracatu.
Em suma, o pedido
da referida ACP não foi satisfeito, conforme reiteramos em 2014, no bojo da
referida ACP.
Entretanto, as ações
e omissões da Prefeitura e da mineradora Kinross não puderam impedir a realização
de diversos levantamentos preliminares independentes que comprovam a contaminação
ambiental grave e persistente de Paracatu pelo arsênio liberado pela mineração
de ouro a céu aberto na cidade. Embora esses levantamentos tenham contribuído para
a compreensão da realidade ambiental de Paracatu, nenhum deles atende ao pedido
central formulado na ACP, notadamente a realização de um estudo clínico-epidemiológico, com a necessária participação de
equipe médica qualificada e independente.
Já se vão quase 8
anos desde o ingresso da ACP e há provas
científicas e médicas irrefutáveis do aumento do número de casos de intoxicação
aguda e crônica pelo arsênio, causados por 30 anos de mineração mal-controlada
em Paracatu.
Algumas das vítimas
desse processo de má-gestao de agentes públicos e privados, que eu tive a
oportunidade de examinar, apresentam manifestações típicas da intoxicação crônica
pelo arsênio, como doenças de pele, incluindo hiperqueratose, melanose e câncer
de pele; lesão renal grave acarretando perda dos rins; doença neuromuscular
grave como síndrome semelhante à Guillain-Barré com paralisia muscular e
respiratória e aborto espontâneo; doenças cardiovascular como insuficiência
vascular periférica e hipertensão; doenças metabólicas e endocrinológicas como
diabetes; e diversos tipos de câncer. Colegas do Hospital de Câncer de Barretos
informaram-me sobre o crescimento exponencial do número de pacientes
provenientes de Paracatu, a partir de 2007, portadores de diversos tipos de câncer,
diagnosticados e tratados naquele hospital localizado a 520 km de Paracatu, visto
que não existe clínica oncológica em Paracatu para atender os pacientes. Como
se não bastasse, ainda foram registrados casos de morte por intoxicação aguda e
asfixia, tanto de funcionários da mineradora Kinross quanto de garimpeiros
informais, por ácido cianídrico e compostos de arsênio como o gás arsina, liberados
pela dita mineradora em Paracatu, conforme notificamos à Procuradoria da
República, ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais e à delegacia
regional da Polícia Civil.
Uma análise de
risco realizada por nosso grupo de pesquisa médica e ambiental, submetida
recentemente à publicação em revista especializada com corpo editorial de
circulação internacional, comprovou que os funcionários regulares da
mineradora, bem como os garimpeiros informais que inadvertidamente adentram as
áreas de rejeitos, estão expostos aos níveis letais do arsênio. Na mesma
análise, mostramos que toda a população de Paracatu está exposta aos níveis
tóxicos do arsênio, substância para a qual não existem níveis de exposição crônica
definidos como seguros.
Particularmente
perturbadora e grave é a exposição das nossas gestantes e seus conceptos ao arsênio.
Dados do SUS mostram índices significativamente aumentados de aborto espontâneo
em Paracatu. Esses índices estão aumentados em Paracatu, em uma comparação com
as cidades vizinhas e outras regiões do Brasil e do mundo, conforme documentado
na referida ACP, e exaustivamente informado, em linguagem accessível para os
leigos, através do www.alertaparacatu.blogspot.com. Em pelo menos uma gestante
de Paracatu, atendida por equipe independente de colegas médicos especialistas
do Hospital de Base de Brasília, em 2016, a morte intrauterina e o aborto foram
inequivocamente ligados à exposição crônica ao arsênio inorgânico liberado pela
mineradora Kinross em Paracatu. Essa paciente ingressou com uma ação judicial
contra a mineradora.
O quadro objetivo apenas esboçado caracteriza uma
agressão grave e persistente à vida e à reprodução humana, por ação e omissão
de agentes públicos e privados.
Diante da histórica
e persistente omissão de deveres relativos à Saúde, e total desprezo às
notícias de perigo sistêmico, e às indicações clínicas de casos concretos de
intoxicação, desta e outras administrações, e incapacidade de lidar com o
problema de forma científica, objetiva e imparcial, está sendo considerado que
não há mais tempo para especulações, disfarces e negativas, sendo exigidas
providências imediatas apontadas a seguir, sob pena de responsabilização
pessoal dos gestores locais detentores da iniciativa, conforme a lei.
Diante da
relevância, é estimado um prazo de 30 dias para que os Gestores Municipais
acionem os mecanismos necessários para:
(i) decretar estado
de calamidade pública por intoxicação crônica e persistente da população de
Paracatu pelo arsênio inorgânico e outras substâncias liberadas pela mineração
de ouro em larga escala na cidade;
(ii) informar
amplamente a população, e nominalmente as autoridades municipais, estaduais,
federais e internacionais sobre o grave caso de intoxicação crônica pelo arsênio
e outras substâncias em Paracatu. Sem prejuizo das diversas formas de informação,
solicitamos especificamente que V.Excia. convoque uma audiência pública para
desmentir os resultados errôneos do relatório do CETEM de 2013, notadamente
comunicar o que foi tratado na reunião do dia 22 de março de 2016, nesta
Prefeitura, com a presença do então Procurador da Republica em Paracatu,
Sr. Hebert Mesquita e dos pesquisadores
do CETEM. Os resultados errôneos de arsênio urinário, “corrigidos” pela equipe
do CETEM contradizem a interpretação geral do seu próprio relatório de 2013, de
que a população de Paracatu não estaria exposta aos níveis de arsênio acima dos
valores de referência legais, que não afastam a possibilidade de causar doenças
sérias mediante exposição crônica;
(iii) informar
amplamente e nominalmente a Kinross e seus acionistas e apoiadores, inclusive o
governo canadense, sobre o grave caso de intoxicação crônica pelo arsênio em
Paracatu, sem prejuízo de outras ações cabíveis a serem eventualmente propostas
em cortes nacionais e internacionais;
(iv) decretar a
paralização imediata das atividades de mineração de ouro em rocha arsenopirita
em Paracatu, o fechamento da mina e início imediato das medidas eficazes de
imobilização dos poluentes, em estado de agregado sólido impermeável (no mínimo
equivalente à rocha sedimentar compactada), das centenas de milhares de
toneladas de material contendo arsênio inorgânico e demais poluentes liberados
pela mineração, bem como a tomada das demais medidas cabíveis para o amplo e
eficaz saneamento ambiental, sob o monitoramento de equipe independente,
qualificada e com competência comprovada através de currículo, e com ampla
transparência dos procedimentos;
(v) requerer da
mineradora-autora da degradação ambiental e seus acionistas, inclusive o
governo do Canadá, a imediata prestação de caução adequada para o saneamento e
revitalização do ambiente degradado, com vistas ao restabelecimento do status quo ante. Neste quesito,
consideramos fundamental a apresentação imediata, pelos autores da degradação
ambiental, de proposta do plano físico e financeiro de saneamento ambiental e
reabilitação da área da mina e seu entorno, inclusive remoção e imobilização
adequada dos rejeitos tóxicos depositados em barragens de rejeitos, tanques
específicos ou outros reservatórios de materiais poluentes. Essa proposta de
plano de saneamento e revitalização deverá ser submetida à aprovação por equipe
multidisciplinar, independente da mineradora e dos poderes de governo, e
soberana, formada por profissionais com competência específica em matéria de
arsênio e seus compostos (competência comprovada internacionalmente através de
currículo), incluindo médicos, biólogos, químicos, geólogos, agrônomos,
engenheiros e juristas, todos eleitos pelos seus pares para compor a referida
equipe. Se, por falta de massa crítica no Brasil, não for possivel compor a
equipe com profissionais brasileiros, então a Prefeitura deverá buscar a competência
técnica no exterior para compor a equipe. Não poderá haver descomissionamento
da mineradora-autora enquanto a degradação ambiental e todos os seus passivos
não forem integralmente assumidos pela mineradora e seus acionistas, e o
saneamento ambiental e os impactos sobre a saúde não forem revertidos ao status quo ante;
(vi) aparelhar o
sistema de saúde municipal para o diagnóstico e tratamento das doenças causadas
pela intoxicação crônica pelo arsênio e ácido cianídrico, inclusive o
treinamento específico de todos os profissionais do setor da Saúde que atuam no
município. Diante dos casos comprovados de intoxicação aguda pelos gases arsina
e ácido cianídrico, requeremos que seja instalado, no curto prazo (dentro de,
no máximo, 6 meses), um serviço público
hospitalar de Toxicologia Médica (Centro
de Toxicologia Médica) em Paracatu, dotado de infra-estrutura,
profissionais e medicamentos em conformidade com o estado da arte, com
certificação de nível internacional;
(vii) entre as ações
aqui requeridas a V.Excia, merece destaque, pelo efeito carcinogênico de longo
prazo do arsênio e seus compostos, a implementação imediata de um Hospital de Câncer em Paracatu (HCP),
incluindo o já referido Centro de
Toxicologia Médica (CTM), e também um Registro
de Câncer de Base Populacional (RCBP), todos de padrão internacional de
qualidade, com capacidade para atender a toda a população de Paracatu, sem
limite de duração ou existência, sendo que o HCP, o CTM e o RCBP deverão ser
totalmente financiados e custeados pelos autores da contaminação ambiental,
notadamente a Kinross Brasil e/ou Kinross Gold Corporation (Canada) e seus
acionistas, inclusive o governo canadense;
(viii) cumprir os
pedidos formulados na referida Ação Civil Pública de 2009, acrescidos das
medidas urgentes aqui elencadas e demais medidas cabíveis. Em special, diante
da incapacidade e incompetência científica e técnica amplamente comprovadas
desta e de outras administrações municipais, estaduais e federais, requeremos
que V.Excia. se digne estabelecer uma cooperação internacional com instituições
médicas e cientificas estrangeiras qualificadas, visando conduzir estudos
epidemiológicos e clínico-laboratoriais sistemáticos e estruturados, contando
com profissionais independentes da mineradora e dos poderes de governo, com
competência comprovada internacionalmente através de currículo, visando
diagnosticar e tratar a intoxicação crônica dos habitantes de Paracatu pelo
arsênio e outros poluentes liberados pela mineração de ouro a céu aberto na
cidade. A Agência Brasileira de
Cooperação estabeleceu protocolos e procedimentos para a cooperação
internacional, que está indicada neste caso de alta complexidade, diante da
incapacidade dos Gestores Municipais, Estaduais e Federais. Meus colegas na
Suíça e eu colocamos-nos à disposição para colaborar no estabelecimento desta
cooperação internacional.
Esclareço que o não atendimento das medidas cabíveis,
agravado pela comprovação dos danos e dos riscos, caracteriza persistência na
agressão à vida, delito grave que acarreta responsabilidade individual
criminal, com consequências nas esferas judiciais nacionais e internacionais.
NTPD e colocamos-nos
à disposição para esclarecimento de dúvidas e colaboração nos aspectos médicos,
científicos e jurídicos, no Brasil e no exterior.
Atenciosamente
LD Dr.med. D.Sc.
Sergio Ulhoa Dani
Presidente
da Fundacao Acangau
Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9945441164947263
Tels.:
38 9 9896 1879 / +41 79 945 4742
E-mail:
srgdani@gmail.com
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