quarta-feira, 18 de junho de 2008

O PRINCÍPIO DA PARCIMÔNIA

O PRINCÍPIO DA PARCIMÔNIA

A Assembléia Legislativa de Minas Gerais acaba de promover o seminário Minas de Minas. Iniciativa mais do que louvável e necessária já que, por incrível que pareça, uma das principais atividades do Estado, nunca havia sido discutida de forma ampla e com abertura no fórum que exatamente tem o poder de regulá-lo. Os grupos de trabalho agendados foram intitulados e se referiam ao sistema federativo e legislação, à gestão ambiental, e à sustentabilidade da mineração. Centenas de propostas foram colhidas pelo Estado inteiro em etapas preliminares e versaram sobre estruturação de órgãos, aumento da CFEM (a taxa paga aos municípios), saúde dos trabalhadores, melhoria na fiscalização, poluição, ensino profissionalizante, reformulação dos processos de licenciamento, caução e recuperação de áreas degradadas, maior participação dos municípios nas decisões, e outras. É claro que a palavra sustentabilidade, exatamente au creux de la vague, presente em qualquer discurso politicamente correto, não poderia deixar de faltar, e de fato não faltou, em nenhum grupo de discussão. Embora esta palavra esteja inevitavelmente ligada à idéia da continuação e da perpetuação, as conversas não enveredaram pela urgente tarefa de imaginar como fazer para que, daqui a 200 anos, ainda se tenha alguma coisa a fazer além de lamentar os esgotamentos. Claro, todas estas questões são importantes, e a quantidade, a intensidade e as longas datas delas não são pequenas. E o sentimento geral da parte dos presentes não financiados pela indústria minerária é de que a guerra está sendo perdida. E nisso tudo, a palavra sustentabilidade, quando usada, servia no mais das vezes como decorativo de falas, injetada rapidamente de qualquer jeito para dar mais credibilidade a elas. Poucas, mas significativas, lembranças de que minério acaba. E uma única análise ligando acertadamente a fúria minerária à fúria consumista, as duas cabeças da serpente da sociedade atual.

Constitucionalmente o minério é um bem da União e as lavras são concessões. Uma bela retórica, mas que não altera em nada o fato histórico e presente de que poucos são os que enriquecem, muitos são os problemas deixados e de que, ao final, quase nada fica por aqui. O sistema de distribuição de concessões é absolutamente cego quanto à concentração, à conveniência em relação ao que tem acima da terra, ou às gerações futuras, e, para a alegria dos espertos de hoje, maravilhosos processos geológicos de bilhões de anos são desrespeitosamente reduzidos ao valor de meia dúzia de carimbos em uma dupla de repartições.

Mas por que as mineradoras ficam anos cavoucando e tirando minério? Para dar algum ar de continuidade ao negócio? Nada disso. Pelo simples e prosaico motivo de que ela não consegue tirar tudo de um dia para o outro. Se houvesse jeito para isto, assim seria. Existem municípios mineiros com praticamente 100% de seu território concedido, e se os detentores das concessões se arranjarem e conseguirem, eles podem ser minerados integralmente de uma vez, não sobrando nada para o dia seguinte. Então começa a ficar claro que com o aumento do poderio econômico e tecnológico à disposição das empresas, nós estamos caminhando inexoravelmente para isto, com explorações cada vez mais rápidas, passando-se de uma mina à seguinte com menores intervalos. Nada existe que limite ou impeça isto e a aceleração deste processo de esgotamento é vendida, para a confusa população comum, como o crescimento e a produção de que tanto precisamos. As concessões são dadas sem consideração alguma quanto à velocidade de extração. E isto é válido para os minérios e para o petróleo.
Discutir sustentabilidade de qualquer coisa é discutir as possibilidades e as formas de garantir a sua continuidade para as gerações seguintes. Como estão postas as coisas hoje, não haverá um novo seminário deste daqui a 100 anos.

Incrivelmente, apenas uma proposta concreta, em todo o seminário, pôs o dedo na ferida, sendo candidamente chamada de Princípio da Parcimônia. Poderia ser também o Princípio do Bom Senso, ou da Precaução ou qualquer coisa que nos lembrasse que estamos lidando com coisas não renováveis, para as quais não haverá retorno.
Seu âmago, novidade e objetivo são limitar a velocidade com que se permite extrair.
Ela preconiza que sejam definidos Índices de Sustentação que determinem frações máximas do potencial medido, que poderiam ser extraídos anualmente. Exemplificando: se um empreendimento for liberado com um Índice de Sustentação de 1/150, ele durará 150 anos.

Evidentemente a proposta não conseguiu sobreviver por muito tempo, nem no grupo onde foi apresentado, às custas da forte reação dos minerários e da confusão do impacto que uma novidade ocasiona, mesmo na cabeça de quem concordaria com ela cinco minutos depois. Mas, muitos outros perceberam aí uma semente que tem tudo para germinar, e acenderam-se esperanças em apoios veementes. E a parcimônia poderia se dar de duas formas. Impondo os índices aos empreendimentos, e/ou impondo os índices à concessão. Isto valorizaria o minério, e sinalizaria em amarelo para a sociedade do consumo sem limite. E enquanto não se define como isto se dará, uma moratória nas concessões.
O Brasil entrega, como sempre entregou desde a era colonial, todo o seu potencial sem se preocupar com o amanhã. Países mais responsáveis pensam, ao contrário, em Reservas Minerais estratégicas, e salvam uma parte para depois, alguns até acumulando minérios levados daqui. A situação é tão absurda, que alguns paises consideram o Brasil como a própria reserva estratégica deles, como de fato o é. Não existe nada parecido aqui, nem para o petróleo.

Estas propostas no estrito senso, não garantem perpetuação, mas ao menos garantem que daqui a algumas décadas, os viventes de então possam aprimorá-las. A farra exploratória de agora é tão intensa e livre que os jornais noticiam fortunas de bilhões da noite para o dia, às vezes para um único indivíduo, como se fossem grandes feitos. Mas quantos anos mais esta pessoa vai viver? Era este o projeto que o universo levou 15 bilhões de anos para concluir?

Então é isto. Se nada de concreto for feito na linha da Parcimônia e do Bom Senso, Minas Gerais vai ter de mudar de nome muito em breve. E pelo andar da carruagem, já podem ir pensando nas sugestões.

André Louis Tenuta de Azevedo

Instituto Cidades

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