domingo, 12 de julho de 2015

Minha resposta à Kinross

Sergio U. Dani, de Berna, Suíça, em 12.07.2015

Em março deste ano, fui interpelado, aqui na Suíça, por advogados da mineradora transnacional canadense Kinross Gold Corporation, através de uma notificação extra-judicial. Na notificação, os advogados da Kinross pedem que eu retire minhas afirmações sobre a intoxicação crônica da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross. Achei tão absurdo e ofensivo o pedido, que nem respondi. Em maio deste ano, fui citado pelo representante da Kinross, James Crossland, no jornal inglês The Guardian, como um dos opositores dessa mineradora. Reproduzo aqui a minha resposta, nas versões traduzida e original. Confira:


The Guardian
Kings Place, 90 York Way
Londres N1 9GU
Reino Unido
guardian.letters@theguardian.com
financial@theguardian.com
cc. james.crossland@kinross.com; heri.araujo@gmail.com

Prezado Sr.,

V.Sa. concedeu ao representante da Kinross Gold Corporation, Sr. James Crossland, o direito de escrever uma carta ao editor em que ele faz uma série de citações imprecisas e controversas (http://www.theguardian.com/business/2015/may/27/kinross- ouro), pelo que peço-lhe o direito de respondê-la.

James Crossland começa sua carta em The Guardian citando incorretamente o “estudo credível, independente sobre o arsênio encomendado pela cidade de Paracatu ao Centro de Tecnologia Mineral”, um conhecido colaborador e prestador de serviços de longa data da Kinross. O referido estudo confirma a contaminação antropogênica com arsênio inorgânico liberado para o meio ambiente pela Kinross. Ele também não deixa dúvidas de que a poluição excede os níveis aceitáveis ​​nacionais e internacionais. Além disso, apesar da metodologia médica deficiente, o estudo forneceu evidências da intoxicação crônica das pessoas em Paracatu pelo arsênio lançado pela Kinross. James Crossland esquece de mencionar tudo isto. Ele também esquece de dizer que o referido estudo foi apresentado na Justiça, em uma ação civil pública movida contra Kinross.

Crossland reconhece corretamente em mim um dos opositores da Kinross, o que me dá alguma esperança de que ele possa ouvir mais atentamente ao que eu tenho a dizer. É um fato verídico, e não "fantástico", como ele cita, que cerca de um milhão de toneladas de arsênio inorgânico liberadas pela Kinross das rochas duras em Paracatu pode potencialmente impactar a saúde de cerca de 7 trilhões de pessoas, visto que 1 grama de arsênio inorgânico equivale a uma dose letal total para 7 pessoas adultas. Entretanto, essa não é toda a verdade sobre a minha afirmação, e aqui novamente Crossland esquece de fazer a citação correta, uma vez que eu levo em conta fatores como bioacessibilidade, meia-vida terminal, bioacumulação e intoxicação osteoressortiva pelo arsênio nas minhas estimativas de risco à saúde, e no diagnóstico de arsenicose nos meus pacientes. Na sua qualidade de vice-presidente executivo encarregado da responsabilidade corporativa da Kinross, Crossland – um profissional experiente da comunicação e relações públicas – deve saber que tomar a parte pelo todo pode ser algo impreciso, polêmico ou mesmo ofensivo. Em caso de qualquer dúvida, sugiro que ele peça o conselho de cientistas e médicos competentes, independentes e honestos.

O segundo estudo citado por Crossland foi apoiado financeiramente pela Kinross. Para avaliar a bioacessibilidade do arsênio liberado pela Kinross, os autores deste estudo analisaram amostras de um corpo de minério extraído não comercialmente, com baixo teor de ouro e de arsênio, e solos não perturbados. Levando em conta o viés metodológico no sentido da menor bioacessibilidade do arsênio nessas amostras de minério, em comparação com o minério de interesse comercial, os autores descobriram que não mais do que 4% do arsênio inorgânico liberado do minério pela Kinross estaria atualmente bioacessível, o que reduziria minha estimativa de risco potencial para alguns bilhões de vidas humanas-equivalentes – ainda assim uma figura de estatura genocida.

Mesmo se a Kinross fosse capaz de reter 99,99% do arsênio inorgânico que ela libera em Paracatu – a Kinross claramente não é capaz de tal proeza – então ainda haveria um risco residual equivalente a 28 milhões de vidas humanas. É este risco "mínimo" que sobra das atividades da Kinross que atualmente causa intoxicação real crônica e persistente em Paracatu. Eis que há uma boa razão para se opor à Kinross. E também há razão suficiente para acreditar que o que a Kinross afirma ser o seu melhor padrão técnico, não é de forma alguma suficiente para evitar a intoxicação em massa em Paracatu em região, no passado, no presente, ou no futuro.

Finalmente, é inaceitável que a Kinross continue a dizer que ele adere aos padrões éticos, ao mesmo passo em que ela destrói e contamina o meio ambiente; intoxica cronicamente pessoas com arsênio inorgânico liberado de suas operações de mineração; faz pagamentos facilitadores para funcionários de governo, conforme permitido no seu próprio 'Código de Ética nos Negócios"; intimida seus opositores; tenta esconder e nega os danos ambientais e de saúde persistentes e as perdas econômicas de longo prazo que afeta as pessoas, e ainda usa o dinheiro do contribuinte canadense para fazer tudo isso.

Atenciosamente,

Sergio U. Dani, LD Dr.med. D.Sc.
Berna, Suíça


VERSÃO ORIGINAL DA RESPOSTA, EM INGLÊS

The Guardian
Kings Place, 90 York Way
London N1 9GU
UK
guardian.letters@theguardian.com
financial@theguardian.com
cc. james.crossland@kinross.com; heri.araujo@gmail.com

Sir,

You have given Kinross Gold Corporation's representative James Crossland the right to write a letter to the Editor in which he makes a series of imprecise and controversial quotations (http://www.theguardian.com/business/2015/may/27/kinross-gold), and therefore I ask you my right to answer it.

James Crossland begins his letter in The Guardian by incorrectly quoting the 'credible, independent study on arsenic commissioned by the city of Paracatu to Brazil's Centre for Mineral Technology' , a known, long standing Kinross' collaborator and service provider. The said study confirms the anthropogenic environmental contamination with inorganic arsenic released by Kinross. It also leaves no doubt that the pollution exceeds national and international acceptable levels. Also, despite poor medical methodology, the study provided evidence of chronic intoxication of Paracatu people by arsenic released by Kinross. James Crossland neglects to mention all this. He also forgets to tell that the said study has been presented in Court in a Civil Action filed against Kinross.

Crossland correctly recognizes me as one of Kinross' opponents, which gives me some hope that he may watch more carefully what I have to say. It is true, and not 'fantastic', as he quotes, that round 1 million tonnes of inorganic arsenic released by Kinross from the hard rocks in Paracatu can potentially impact some 7 trillion people, as 1 gram of inorganic arsenic equals a total lethal dose for 7 adult people. This is not the whole truth on my assertion, though, and here again Crossland neglects to make the correct quotation, since I take factors such as arsenic bioaccessibility, terminal half-life, bioaccumulation and osteoresorptive arsenic intoxication into account in my health risk estimations, and in diagnosing arsenicosis in my patients. In his capacity as Kinross’ executive vice-president on duty of corporate responsibility, Crossland – an experienced professional of communications and public relations – must know that taking the part for the whole can be imprecise, controversial or even offensive. In case of any doubt, he should ask competent, independent and honest scientists and medical doctors for advice.

The second study quoted by Crossland has been financially supported by Kinross. To evaluate bioaccessibility, the authors of this study took samples of a non-commercially mined ore body with low gold- and low arsenic content, and undisturbed soils. Taking into account the methodological bias towards lower arsenic bioaccessibility, as compared to commercially mined ore, the authors found that no more than 4% of the inorganic arsenic released by Kinross is currently bioaccessible, thus downsizing my potential  risk estimation to a few billion human lives-equivalents – still a figure of genocidal stature.

Even if Kinross were able to retain 99,99% of the inorganic arsenic it releases in Paracatu – Kinross is clearly not able to perform this prodigy – then there would be a 28 million human-lives-equivalent risk left. It is this relatively 'tiny' leftover risk of Kinross' activities that presently causes real, persistent, chronic intoxication in Paracatu. Thus, there is good reason for opposing Kinross. Also, there is enough reason to believe that what Kinross claims to be best technical standards are by no means enough to avoid persistent mass poisoning in Paracatu and region, in the past, in the present, or in the future.

Finally, it is unacceptable that Kinross keeps on saying that it sticks to ethical standards, whereas it destroys and contaminates the environment, it chronically intoxicates people with inorganic arsenic released from its mining operations, it makes facilitation payments to government officials as permitted in its own 'Code of Ethics in Business', it intimidates its opponents, it tries to hide and denies the persistent environmental and health damages and the long term economic losses that it infringes to people, and it uses Canadian tax-payer's money to do all that.

Sincerely Yours,

Sergio U. Dani, LD Dr.med. D.Sc.

Bern, Switzerland

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