LD Dr.med. D.Sc. Sergio U. Dani
Resumo: Genocídio é um crime recorrente na
história. A motivação comum entre os genocidas de todos os tempos
é tomar posse dos territórios e riquezas das vítimas que encontram pelo
caminho. Para o genocida, enriquecimento e poder são motivações bastante fortes
para justificar as matanças. O biocídio ou matança dos sistemas de vida da
terra, e o geocídio ou devastação da própria terra constitutem formas amplificadas
de genocídio que se tornaram comuns no mundo globalizado. Enquanto o genocídio
geralmente compromete a sobrevivência de grupos étnicos ou culturais, o
geocídio compromete a sobrevivência da humanidade como um todo. Talvez o maior
genocídio da história esteja sendo promovido pela mineração de ouro em larga
escala. Para obter um punhado de ouro, poderosas mineradoras transnacionais aniquilam
comunidades tradicionais, despejam milhões de toneladas de pó, lama e gases
venenosos no ambiente, sufocam nascentes de água e seus vales, poluem rios e
mares, envenenam e matam plantas, animais e pessoas. O rastro da destruição e
seus venenos permanecem ativos por séculos e milênios. O geocida é um genocida
que cospe no prato em que comeu.
Figura
1 │ Anúncio da propaganda sarcástica da
empresa Degussa no jornal alemão ‘Die Zeit’ com o intuito de estimular a compra
de ouro. No cartoon, três feiticeiros preparam uma mistura diabólica de
ingredientes incluindo um osso semelhante ao fêmur humano. Ao fundo, um sujeito
engravatado explica o que se passa: ‘Ah, o senhor sabe, o valor dos depósitos
em ouro é superestimado. Nós temos aqui nossos métodos especiais para um
perfeito mix de investimento’. Fonte: Die
Zeit, N. 48, 21.Nov.2013, Seite 26/Wirtschaft.
"We
find ourselves ethically destitute just when, for the first time, we are faced
with ultimacy, the irreversible closing down of the earth's functioning in its
major life systems. Our ethical traditions know how to deal with suicide,
homicide and even genocide, but these traditions collapse entirely when
confronted with biocide, the killing of the life systems of the earth, and
geocide, the devastation of the earth itself." – Thomas Berry
Para obter cada grama de ouro da mina a
céu aberto localizada no perímetro urbano de Paracatu, Brasil, a mineradora
canadense Kinross Gold Corporation (TSE-K; NYSE-KGC) explode duas toneladas e
meia de rocha dura, destrói e polui nascentes de água potável e territórios de
povos tradicionais reconhecidos pela Constituição Federal do Brasil, mata membros
dessa comunidade a tiros de arma de fogo e envenena milhares com a poeira que
lança sobre a cidade e a região.
Em cada tonelada de rocha da mina de
ouro da Kinross em Paracatu existe um kilo de arsênio inorgânico, um veneno
perigoso quando liberado da rocha para o ambiente. Basta um grama de arsênio inorgânico
para matar ou adoecer gravemente sete pessoas adultas. O peso virtual ou pegada
ecológica de cada grama de ouro que a Kinross retira de Paracatu equivale a 2,5
toneladas de rocha e 2,5 kg de arsênio inorgânico, uma dose letal para 17.500 seres
humanos.
Até o ano 2010, a Kinross já havia
liberado cerca de 300 mil toneladas de arsênio inorgânico das rochas da mina de
Paracatu. Ao todo, a mineradora deverá liberar 1 milhão de toneladas desse veneno nos
próximos 30 anos de mineração. Essa quantidade de arsênio equivale a uma dose
suficiente para matar 7 trilhões de seres humanos. Os defensores da mineradora
argumentam que apenas uma parte ‘ínfima’ desse veneno está bioacessível: cerca
de 4%, equivalente a uma dose letal para ‘apenas’ 280 bilhões de pessoas.
Blindada contra os protestos das suas
vítimas e apoiada numa rede de corrupção, a mineradora continua sua obra
macabra. A rocha explodida é carregada por gigantescos caminhões fabricados
para a Kinross pela empresa norte-americana Caterpillar/Bucyrus até um
britador, onde a rocha é triturada. Dali a brita segue por uma esteira rolante
até um gigantesco moinho construído para a Kinross pela alemã Siemens. No
moinho, a rocha é pulverizada. O pó da rocha é misturado com água contendo
diversas substâncias tóxicas e corrosivas, entre elas o cianeto de sódio
fornecido para a Kinross pela norte-americana DuPont. A hidrometalurgia produz
lingotes de uma mistura metálica contendo ouro, prata, cobre e ferro. O ouro é
‘purificado’ a partir desses lingotes por empresas como Degussa/Umicore.
Finalmente, o ouro é vendido pelo mundo afora, transformado em lingotes,
barras, moedas e jóias ‘reluzentes e imperecíveis’. Em Paracatu, fica o lixo da
mineração a distilar um chorume macabro, a água podre do cadáver da rocha, o
suco hediondo do lixo da mineração.
Uma aliança, uma moeda ou uma barra de
ouro reluzente são leves de carregar. Mas seu peso de destruição, poluição,
doença e morte é insustentável. A mineração hedionda da Kinross em Paracatu um
dia termina, mas o seu chorume macabro permanece por séculos e milênios,
espalhando-se lentamente para o resto do mundo.
Nota:
No Brasil a Lei no. 2.889, de 1 de
outubro de 1956 define o crime de genocídio e dá suas penas. É considerado
crime de genocídio: Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em
parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros
do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do
grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes
de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas
destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a
transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. A lei não prevê a existência de
genocídio culposo mas a imprudência, imperícia ou negligência nos cuidados
exigidos para evitar lesão à saúde e dano ao meio ambiente podem causar o mesmo
resultado previsto na lei para o genocídio doloso (com intenção de causar
lesão). O genocídio culposo não gera processo criminal, mas gera a obrigação de
indenizar.