sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ÁGUAS DO SANTA RITA


As águas que correm nos córregos, riachos, ribeirões e rios vêm de dois lugares: a água limpa e duradoura vem da terra e a água suja vem da enxurrada produzida pelas chuvas.

 água limpa que vem da terra é a parte da chuva que infiltra na terra e forma nascentes ou infiltra para a caixa dos cursos d'água, e por isso mantém a quantidade de água correndo.

A água suja que forma a enxurrada e enche os rios é a água que vai embora aproveitando apenas o canal dos rios, mais ou menos como é visto nas cidades: chove, forma enxurrada nas ruas, e quando a chuva acaba, acabou a água no chão.

Os cursos d'água só exlstirão se existir infiltração na terra e nascentes.

A infiltração na terra acontece porque a vegetação segura parte da água da chuva, dando tempo para ela entrar na terra e formar os lençóis d'água e as nascentes.

Retirar a vegetação que forma as águas correntes é como costurar uma parte da boca: a pessoa, na hora da refeição, come menos e emagrece.

Destruir uma nascente é como costurar a boca inteira: a pessoa não come e morre.

Para matar uma pessoa não precisa dar um tiro nela, é só tirar a 
comida, que ela morre.

Se a comida (nascente e lençol freático) de um rio for diminuída o rio diminui, e se a comida for retirada, o rio morre seco e vira um simples canal de enxurrada da chuva. 

De cada 10.000 litros de água existentes no planeta Terra, 9.750 são de água salgada (oceanos e mares), 2.493 são de água doce inacessível (geleiras e depósitos subterrâneos) e apenas 7 litros podem ser alcançados pelas pessoas.

O planeta tem muita água, mas a água que serve aos humanos é muito pouca. Temos que defender com unhas e dentes esse pouco, porque ele é a garantia da nossa vida.

No continente americano do sul, onde está o Brasil, de cada 100 litros de água disponível para os humanos que existiam no ano de 1950, passaram a existir no ano de 2000 apenas 27 litros (Universidade da Água), ou seja, em 50 anos, 63 litros d'água deixaram de estar à disposição das pessoas.

 As águas "emagreceram" por falta de "comida".

Magro, quase no puro osso, está à nossa frente o Córrego Rico, sem "comida", morrendo. O mesmo aconteceu com o Córrego São Domingos e o Córrego Santo Antônio, que foi barrado pela atual barragem de rejeitos da mineradora RPM-Kinross. A barragem do Santo Antônio fez evaporar mais de 80 por cento da água do córrego. O que restou da água está contaminada.

A construção de uma nova barragem de rejeitos da mineradora no Vale do Machadinho vai tirar "comida" do Santa Rita.

Tirar a "comida" do rio tira a comida da boca das pessoas.

Estão previstos mais 30 anos de mineração.

Serão 30 anos de Santa Rita com pouca "comida".

Em 30 anos, o ouro acaba e a herança de Paracatu será um Santa Rita fraco, no caminho da morte, se morto não estiver.

Então descobriremos que o ouro da nossa terra foi o pagamento para que matassem nossas águas, e cantaremos uma nova moda de viola: 

PARACATU DOS SEM ÁGUA.

Dia 20 de março ocorrerá a reunião em Varjão de Minas para colocar o Santa Rita na lista dos marcados para morrer.

Existem dois santos que poderão salvar o Santa Rita: o santo Prefeito e o santo Promotor, ou os dois juntos.

Ou então ficaremos sabendo que Paracatu não tem santas autoridades 
nem merece ter santas águas.

Salve o Santa Rita.

CULPA POR OMISSÃO

A SUSTENTABILIDADE DA SAÚDE E DA VIDA DEVE TER PRIORIDADE SOBRE A SUSTENTABILIDADE DA ECONOMIA

Alguns dizem que a divulgação de informações sobre provável contaminação por arsênio e outros metais pesados pode comprometer a economia local, principalmente a economia gerada pelo uso de solo e água: carne, leite e seus derivados, hortaliças, frutas, grãos etc, que sejam produzidos na área impactada pela poeira ou na bacia de drenagem e lençol freático que recebem águas da zona de mineração.

O preocupante não é a perda da economia e sim o silência que pode estar acobertando o uso local e a exportação de produtos contaminados.

Passam sete meses que um pedido oficial de levantamento epidemiológico e de saúde ambiental deu entrada no protocolo da Prefeitura e nenhuma resposta satisfativa foi dada até hoje, apesar das cobranças.

É urgente que respondam com ações.

Sim, fomos nós que levantamos a dúvida, com fundamento em situações semelhantes: 


SE ACONTECEU EM OUTROS LUGARES ENTÃO É PRECISO VERIFICAR SE ESTÁ OU NÃO ESTÁ ACONTECENDO A MESMA COISA EM PARACATU.


A população tem o direito de conhecer provas científicas colhidas de forma imparcial e com a participação da comunidade.

O que existe é uma dúvida mortal, e temos dois desejos:

1) que provem não existir contaminação e seremos os primeiros a comemorar a sorte da 
população e da economia, mas sem abandonar a vigilância que nos garanta um futuro saudável;

2) que existindo contaminação sejam tomadas medidas sérias para acudir a saúde ambiental e populacional, e que os responsáveis pela omissão sejam chamados a prestar contas.


DIGAM QUE NÃO

Manter o povo em estado de ignorância é a mais indignificante forma de exploração.

O direito a um meio-ambiente ecologicamente equilibrado não acaba  na geração presente nem no dia de hoje.

Esse direito deve assegurar que amanhá e em todo o futuro nós e nossos descendentes possamos desfrutar de equilíbrio ambiental que garanta a saúde e a vida.

Meio-ambiente equilibrado é um direito, e como direito não pode ser demonstrado pelo que é visto a olho nú, como já foi dito por um cidadão local: “vocês estão falando bobagem pois ainda não vi ninguém envenenado cair morto no meio da rua”.

O câncer, por exemplo, é um mal não visto enquanto se instala e, quando visto, já está a meio caminho de matar o portador, daí as campanhas de prevenção: 

SAIBA SOBRE O QUE VOCÊ NÃO ESTÁ VENDO ANTES QUE SEJA TARDE PARA REMEDIAR

Os índices de arsênio têm sido apresentados como normais segundo a lei, mas a lei não pode garantir que sendo normais não estejam causando dano à saúde.

A lei já disse que o índice normal era 50, baixou para 10 ou 5, e agora está dizendo que é 3, ou seja, depois que a ciência mostrou o erro, o índice baixou.

Não basta dizer que a lei está sendo cumprida, é preciso dizer que o cumprimento da lei não está causando dano.

A LEI NÃO PODE SER UMA AUTORIZAÇÃO PARA ENVENENAR A LONGO PRAZO

A mineração é uma atividade dentro da lei (ou quase dentro) e não temos nada contra ela (mas poderemos ter). Por enquanto só queremos saber se não estamos pagando em ouro o preço do veneno que podemos estar ingerindo e danando nossa saúde.

DIGAM QUE NÃO!

DIGAM QUE NÃO!

Mas digam depois de realizarem os levantamentos (sérios e acompanhados) de saúde ambiental e epidemiológicos.
Realizem os levantamentos, assinem embaixo e divulguem para que todos possam saber se seus direitos estão sendo garantidos.


SANTA RITA: MARCADO PARA MORRER

SANTA RITA: MARCADO PARA MORRER

Existe um sério risco de no dia 22 de março, DIA MUNDIAL DÁ ÁGUA, as comemorações serem transformadas em velório antecipado.
  Dia 20 de março em Varjão de Minas, ocorrerá a reunião que decidirá se o Santa Rita vai ou não para a lista dos marcados para morrer, lista da qual já foram mortos o Córrego Rico, o Córrego São Domingos e o Córrego Santo Antônio.
 A nova barragem de rejeitos da mineradora está projetada sobre área de preservação que contém as nascentes e a recarga do Santa Rita.
 Depósito de rejeito de mineração não é obra de utilidade pública, nem é de interesse social, é de simples interesse econômico.
 Estamos à beira de termos que engolir que a grande lata de lixo da mineradora é de utilidade pública e de interesse social, e que as águas do Santa Rita não são nem uma coisa nem outra.
 Existe um crime denominado estelionato, que consiste em usar um artifício para causar prejuízo aos outros em proveito próprio. O artifício mais usado é o "tempo".
 O dano contra as nascentes e área de recarga do Santa Rita não acontecerão do dia para a noite pois o resultado pode levar anos para tornar-se visível. 
Enquanto nada se vê, os danadores dizem "olhem, não está acontecendo nada" e depois que acontece eles dizem "olhem, agora não dá para fazer nada", e já levaram a vantagem.
 A barragem de rejeitos na área de nascentes e recarga do Santa Rita é a melhor solução para todos ou a melhor solução para a mineradora?
 Esta pergunta tem que ser respondida pelas autoridades.
 A resolução CONAMA 369 de 2006 autoriza, em caráter excepcional, a intervenção em áreas de preservação "nos casos de utilidade pública e para acesso de pessoas e animais para obtenção de água".
 Os envolvidos no processo de licenciamente deverão ter a decência de não tratar o povo como um idiota incapaz de compreender que a ordem jurídica, da Constituição até a Resolução, cuida de PROTEGER AS NASCENTES de água, logo, o dispositivo da resolução CONAMA 369 de 2006 que autoriza a intervenção em área de preservação para instalação de barragens de rejeitos de mineração NÃO PODE TIRAR A PROTEÇÃO DAS NASCENTES de água.
 Nascentes de água não podem ser fabricadas, logo, não podem ser eliminadas (soterradas), daí que as compensações previstas não podem ir além de criar áreas de recarga que compensem, com a mesma eficácia, as áreas de recarga destruídas.
 Igualmente idiota o povo não é para aceitar que o dano será feito agora e a compensação será feita depois.

 Depois, depois quando?
 
Ou será depois de verificar que não é possível fazer a compensação?

 A escravidão dos negros acabou em Paracatu, mas a escravidão de entregar o ouro para o estrangeiro em troca de faíscas que suprem "necessidades sociais" não acabou, ao contrário, está para aumentar e durar 30 anos, ao final dos quais nem ouro nem faíscas.
 O povo, principalmente o povo que habita o "porão da sociedade" pode até fazer a opção simples de continuar comendo faíscas por mais 30 anos e depois diminuir a dieta, na base do seja como Deus quiser, mas as autoridades locais têm o dever de fazer a dieta do povo melhorar e aumentar, e devem fazer isto sem ajoelhar diante dos interesses das transnacionais.
 Não ajoelhar diante do interesse das transnacionais é uma questão de soberania e de cidadania. 
Pode ser difícil para essas autoridades entender o que é viver com um salário mínimo ou ter que esperar sentado o dia de receber a cesta básica de alimentos, afinal, existem autoridades que têm salários equivalentes a um salário mínimo POR DIA ou uma cesta básica POR HORA, ou quase isto, mas não existe autoridade que ganhe salário mínimo ou cesta básica.
 E aí fica fácil para essas autoridades dizerem que esse povo, principalmente o povo que depende da terra e da água para TRABALHAR e ganhar o sustento, pode continuar vivendo com menos terra, menos água, menos trabalho e menos sustento, já que é fácil inscrever um cidadão que empobreceu na lista dos que receberão cesta básica.
 O modelo é clássico: empobrece o cidadão em nome de uma economia que ele não entende e depois lhe dá uma cesta básica que ele entende; o cidadão agradece a generosidade e, adivinhem: vota no benfeitor de araque.
 Antes de tirar o pão, montam-se os circos para que o povo entretido com as vozes que vêm dos palanques engane a fome, é uma receita também clássica.
 Não queremos parar a mineradora (por enquanto), nem queremos que ela continue como a madrasta que dá de comer e espanca, mas queremos que ela cumpra a Constituição assim como nós cumprimos, e assim honre o nome (Kin = group of people related by blood = grupo ou povo relacionado pelo sangue ou casamento = família) e seja uma colaboradora na construção da sociedade livre, justa e solidária.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nova barragem de rejeitos sob vistas

Da redação do Alerta Paracatu
Unaí, 18 de fevereiro de 2008

*Nova barragem de rejeitos sob vistas*

Um pedido de licença de instalação de uma nova barragem de rejeitos da
mineradora RPM-Kinross em Paracatu foi apresentado hoje, durante a reunião
do COPAM-Conselho de Política Ambiental, em Unaí-MG. Os conselheiros Mauro
Ellovitch (promotor de justiça) e Domingos Santana Guimarães (da Votorantim
Metais, representando a FIEMG-Federação das Indústrias do Estado de Minas
Gerais no COPAM) pediram vistas do processo, que deverá ir à votação na
próxima reunião do COPAM, a realizar-se na cidade de Varjão de Minas, por
volta do dia 20 de março.

Estiveram presentes à reunião de hoje Sergio Ulhoa Dani, presidente da
Fundação Acangaú, e Marcos Tadeu da Silva Gama, representante da Associação
Comunitária do Vale do Machadinho, que corre o risco de ser inundado pela
nova barragem planejada. Na sessão, o presidente da Fundação Acangaú pediu a
palavra e foi interrompido pelo conselheiro Antônio Eustáquio Vieira, o
"Tonhão", representante das entidades civis no COPAM, que invocou o
regimento interno do conselho para não deixar a fundação falar.

Em resposta, o presidente da Fundação Acangaú distribuiu aos presentes o
artigo "Santos Rios: Paracatu", um manifesto em defesa do Ribeirão Santa
Rita e dos demais cursos d'água que foram seriamente afetados pela mineração
de ouro da RPM-Kinross em Paracatu. No artigo, o autor, que é médico e
cientista, chama os rios de irmãos, numa invocação ao espírito do chefe
Seattle que, durante a corrida do ouro no oeste americano, explicou ao
presidente dos Estados Unidos que o homem é parte da natureza, e o que
acontece com a natureza, também acontece com o homem, "porque há uma ligação
em tudo".

O Vale do Machadinho é uma região de grande beleza natural, que abriga
quatro nascentes do Ribeirão Santa Rita, importante recurso hídrico do
município de Paracatu, que hoje possui 40 mil hectares de lavouras
irrigadas. A construção de uma nova barragem de rejeitos com uma superfície
de mais de mil hectares do Vale do Machadinho sepultaria estas nascentes e
diminuiria sensivelmente a vazão do Ribeirão Santa Rita, a exemplo do que já
ocorreu com o Córrego Santo Antônio. As nascentes do Santo Antônio foram
sepultadas, a partir do ano de 1987, pela construção da atual barragem de
rejeitos da mineradora RPM-Kinross. Em função do barramento, que aumenta a
superfície de evaporação da água, e da intensa utilização de água no
processo industrial da mineradora, este córrego teve sua vazão reduzida em
mais de oitenta por cento, e por causa disso ficou assoreado e contaminado
com poluentes liberados pelos rejeitos. Um dos poluentes mais perigosos é o
arsênio, uma substância neurotóxica e cancerígena presente no minério e
liberado para o ambiente pela mineração de ouro.

Terminada a reunião, os representantes da Fundação Acangaú e da comunidade
do Machadinho dirigiram-se à sede da SUPRAM-Noroeste, onde protocolaram um
pedido de esclarecimentos ao superintendente, José Eduardo Vargas. Neste
documento, a Fundação Acangaú pede cópia de documentos e esclarecimentos
sobre as medidas tomadas pelo órgão ambiental licenciador acerca do rol de
sugestões técnicas mitigadoras e reparadoras de dano ambiental feitas pela
fundação, a título de condição para licenciamento do projeto de expansão da
RPM-Kinross, no ano de 2007. Até hoje a Fundação Acangaú não recebeu nenhuma
resposta neste sentido do órgão licenciador, mas as licenças de instalação e
operação do projeto de expansão continuam a ser concedidas.

Moradores do Vale do Santa Rita, como Duguai de Andrade, afirmam que existem
alternativas técnicas e locacionais que devem ser adotadas pela mineradora
para evitar o que ele considera um desastre ambiental de proporções ainda
maiores que os que a mineradora já causou em Paracatu.

Santos Rios: Paracatu

*Santos Rios: Paracatu (*)*

"Os rios são nossos irmãos. O que acontece a eles, acontecerá também a nós.
Há uma ligação em tudo." Assim se dirigiu um chefe Seattle ao presidente dos
Estados Unidos, nos tempos da corrida do ouro no oeste americano. O espírito
do chefe nos rodeia, perturbado e descontente. Os rios, nossos irmãos, estão
morrendo por causa do ouro e da falta de quem os acuda. E quem irá nos
acudir? Porque nós também estamos morrendo por causa do ouro e da falta de
quem nos acuda. Porque há uma ligação em tudo.

Olhem para nossos irmãozinhos! Conversem com eles, cantem seus réquiens,
derramem neles suas lágrimas e se apiedem deles! Estão mortos ou doentes,
mas eram vivos, alegres, saudáveis, generosos e santos, antes da mineração.

- Córrego Rico! Seu leito rico pariu Paracatu e seus filhos, e você foi
apunhalado pelas costas, no leito onde você mesmo nascia, no Morro da Cruz
das Almas. Escavaram suas nascentes, você perdeu água, perdeu sangue, perdeu
fôlego, empobreceu, perdeu a alma. Ficou doente, te enfiaram numa
hemodiálise, piorou e foi parar numa UTI. Hemodiálise nenhuma te livra da
morte lenta do veneno que você não consegue mais depurar do seu corpo, por
falta d'água. UTI nenhuma vale as águas que te roubaram. Triste fim, para
quem nos deu a vida. Injustiça! Ignorância! Ingratidão! Burrice! Agora quem
terá piedade de nós? O que acontece ao rio, nosso irmão, acontecerá a nós.
Porque há uma ligação em tudo.

- São Domingos e Santo Antônio! Nossos santos irmãozinhos, pobrezinhos, seus
corpinhos sujinhos, raquíticos, retirantes, só fazem derramar lágrimas.
Parece que foram excomungados, retirados do nosso convívio, com violência. O
que fizemos? O que pudemos fazer, vendo irmãozinhos impiedosamente
violentados, desonrados, sangrados e mortos? São Domingos! Dominguinhos! Não
ouve mais não, Minguinho? Ainda há vida nesse corpinho seco, sujo, largado?
Que maldade fizeram a você? Nem funeral seu fizeram! Lágrimas sobre seu
corpinho não derramaram. Quem derramará sobre o nosso?

- Santo Antônio, Toninho querido, nosso irmãozinho! Maninho,
lembra do brinquedo alegre na água fresca, nas tardes quentes? Trituraram
sua infância, entupiram suas artérias, ergueram barragem de trombos. Para
UTI você não vai; hemodiálise também não. Já é tarde, irmãozinho, não há
mais o que fazer, porque de tudo nem ao menos tentamos salvá-lo antes.
Ninguém vai derramar lágrimas sobre seus restos mortais envenenados, porque
carregam a morte, a que queremos longe de nós, de incerto jeito. Você virou
espírito, lembrança apenas, retrato em álbum de família. O que será da nossa
família? Porque há uma ligação em tudo. Há uma ligação em tudo...

- Santa Rita, Ritinha, mina d´água e maninha minha, agora é sua hora e sua
vez! Até quando haverá mais uma vez? Até quando haverá irmãos dos rios, e
filhos das águas dos rios? Há uma ligação em tudo. Ignorância útil e
ganância fútil ameaçam matar Santa Rita, entupir suas nascentes com nova
barragem de lama. Só sobrará Santa Isabel, e aí será tarde demais, porque
todo rio aqui é santo, e há uma razão em tudo, e em todos.

- Paracatu, rio bom, rio santo! Filho dos rios santos que vão morrendo de
sede, trombose, afogamento, envenenamento. Suas águas são choros de criança.

Rios também morrem e matam de sede, morrem e matam de doença. Há uma ligaçãoem tudo. Tenham piedade das grotinhas, veredas, corguinhos, ribeirões erios, nossos santos irmãozinhos, da grande família do Paracatu. Tenhampiedade de nós, tenham piedade de si próprios, pobres diabos que não sabem oque fazem, e o que não fazem. Porque há uma ligação em tudo.

*(*) Sergio Ulhoa Dani, em defesa da irmã, Ritinha, ameaçada de morte pela
mineração de ouro. 18 de fevereiro de 2009. Dia de uma reunião do COPAM para
apresentar o projeto da barragem das nascentes do Santa Rita.*

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

MERCÚRIO TÓXICO

MERCÚRIO TÓXICO
por Serrano Neves

"[Folha de S.Paulo - 15.02.09] Os ministros do Meio Ambiente reunidos nesta semana em Nairóbi, Quênia, poderão tomar uma decisão de grande importância para afastar uma ameaça mundial à saúde das vidas de centenas de milhões de pessoas."


Desde 2003 que acompanho as notícias sobre mercúrio no meio-ambiente e, afinal, vejo que as autoridades começam a se preocupar.

Os males causados pelo mercúrio levam anos para se manifestarem e quando se manifestam são confundidos com outros males por falta de histórico de saúde ambiental.

Está firmado um Termo de Ajuste de Conduta entre o Ministério Público e a mineradora Kinross para "revitalização" do Córrego Rico e sobre esse TAC (compensação ambiental) pende a questão de existir ou não mercúrio no leito assoreado.

A população exposta ao risco dificilmente entenderá os perigos do mercúrio "enterrado" se transformando em formas orgânicas, envenenando a cadeia alimentar e atacando a saúde das crianças e idosos, que são mais frágeis.

Dificilmente será compreendido que as crianças podem ser prejudicadas na sua capacidade de aprendizagem porque suas mães consumiram alimentos contaminados, principalmente peixes.

Qual é a verdadeira situação do mercúrio no leito do Córrego Rico é a pergunta a ser respondida pelos responsáveis pela decisão e pelos executores da obra.

Sepultar o mercúrio não responde à questão da saúde ambiental, apenas mantém a população exposta na ignorância.

Manda quem pode e obedece quem tem juízo é uma forma de gestão de interesses que privilegia o poder e o capital e, neste caso em particular, transfere para o povo pagar com sua saúde o preço da compensação.

Queremos clareza, quer exista mercúrio quer não exista, para que o povo possa tomar as cautelas necessárias ou tranquilizar-se.

"Estimamos que cada quilo de mercúrio retirado do ambiente possa gerar até US$ 12.500 de benefícios sociais, ambientais e para a saúde humana." anota o artigo da Folha de São Paulo, e isto mostra que a compensação ambiental ajustada pode vir a ser uma descompensação para a sociedade, o ambiente e a saúde humana, em nome apenas de que a lei está sendo cumprida.

O cumprimento da lei não pode ter por propósito causar dano futuro nem para esconder responsabilidades sobre decisões e execuções.

É necessário, por imposição do regime democrático, que a solução seja a de menor gravosidade possível e atenda o interesse público sobre a publicidade.

A pior ditadura seria aquela na qual o ditador vestido de padre reza pelas almas dos cidadãos enquanto lhes distribui hóstias contaminadas com mercúrio, arsênio e outros metais pesados.

Clareza já !

domingo, 1 de fevereiro de 2009

CANAL ABERTO

CANAL ABERTO

Serrano Neves

Chego em Paracatu e o parceiro Dr. Sergio Dani (Fundação Acangaú) me  recepciona com um exemplar da edição 15 de O Lábaro (parabéns Uldicéia).

Após abraços folheio rapidamente e em página inteira vejo que a Kinross anuncia um CANAL ABERTO em letras abertas.

As empresas normalmente têm seus canais para reclamações e algumas até são obrigadas a tê-los para atender consumidores, mas este caso se apresenta diferenciado.

Muitos anos de pressão minerária sobre a comunidade criaram relações difíceis, desde acomodação diante do que se imaginava inevitável e deveria ser suportado a custos não avaliados, até erupções de indignação diante da pressão.

Quem acompanhou de perto o movimento liderado pela Fundação Acangaú, mesmo os indignados, não acreditou que alguma coisa pudesse mudar, principalmente quando um deputado, na audiência pública, defendeu, com a faca nos dentes, os direitos minerários para o progresso.

Na sessão de "tapas" brilhou Irineu, que mandou dizer para o "faraó" que aqui tem gente que não se curva.

E foi essa gente que apoiou o movimento, quase apanhou da polícia, foi presa e processada.
Por detrás do movimento sempre houve nossa lealdade e compromisso no sentido de melhorar as coisas e estabelecer melhores relações, e havia, como não poderia deixar de haver, a confiança de que a Kinross abrigava inteligências capazes de perceber isto, e era só uma questão de tempo.
O tempo correu, e até correu curto, e a Kinross acenou que para além das práticas formais de responsabilidade sócio-ambiental cumpridas à letra da lei, compreendia ter uma responsabilidade constitucional acima da lei, capaz de interagir com a comunidade e, digamos, "acertar os ponteiros".

Esta minha percepção não assinala uma etapa de "beijos" após os "tapas", é fruto de muitos anos de reflexão como pode ser visto no texto "Paralelo 666" publicado n'O Lábaro.

O ajuste parece ser mais fácil para nós que já assimilamos o conceito de função social da propriedade e pensamos de modo informal, embora operemos com informação de boa qualidade científica.

Para a Kinross pode ser mais trabalhoso entrar no círculo da função social da propriedade, em razão do histórico - como qualquer outra empresa - necessário de práticas para alcançar os objetivos comerciais.

A Kinross veio para a mesa de negociações com a face amigável que pedimos, para aprender a falar o "cidadanês".

O cidadanês é uma língua meio difícil porque as palavras têm várias pronúncias, mas a Kinross demonstrou - com habilidade e agilidade, que quer ouvir e conhecer as variações.
Canal Aberto, em letras claras e página inteira, é o marco fundamental de um processo de construção que se abre para a participação direta da comunidade, é uma expressão real de que a sociedade alvo da função social é um "parceiro funcional" capaz de dizer o que quer, conforme seus anseios e sua cultura.

Ao reconhecer isto a Kinross demonstra sensibilidade, elemento necessário para o estabelecimento do convívio com base em valores humanos.

A recente crise mundial que evaporou centenas de bilhões de dólares está mostrando que os ativos financeiros e físícos podem ser ouro num dia e lata no dia seguinte, e aí todos terão que viver com lata. Lata não dá para distribuir como benefício, mas dá para (com)partilhar, e partilha só se faz com gente de quem a gente gosta e com quem a gente convive.

Nossos parceiros na comunidade - e a própria Kinross - haverão de entender que essa primeira fase ainda é de "entre tapas e beijos", diante de previsíveis conflitos entre a técnica e a cidadania, e alguns lances mais duros poderão acontecer lado a lado com lances diplomáticos, nada, porém, que uma canja da noite no Veredas ou um filé do meio-dia no Frater, compartilhados, não consigam colocar nos devidos lugares.

Função social da propriedade é coisa simples: é alguma coisa que funciona na sociedade e cria o bem estar para todos, e foi isto que a Kinross fez: abrir um canal para ouvir o "cidadanês" e conversar conosco na nossa própria língua.

Parabéns para nós todos, principalmente para a comunidade.