Paracatu, 16 de março de 2009
Declaração de guerra pela água na Câmara Municipal de Paracatu
Uma verdadeira declaração de guerra pela posse da água. Esse foi o tom da sessão da Câmara Municipal de Paracatu nesta noite. Com a casa lotada e na presença de representantes dos vários segmentos da sociedade, Sergio Dani, presidente da Fundação Acangaú, usou a tribuna para advertir a mineradora transnacional, RPM-Kinross, de que sua insistência no pedido de licenciamento de uma gigantesca barragem de rejeitos no Vale do Machadinho causará mais um derramamento de sangue em Paracatu, que a população não tolerará.
O público e todos os vereadores posicionaram-se fortemente a favor da tese de Sérgio Dani, que chegou a comparar a estratégia da RPM-Kinross em Paracatu com a estratégia de Israel para controlar a Palestina. O vereador Romualdo Ulhoa (PDT) dirigiu-se aos representantes da RPM-Kinross em tom incisivo: “Não abusem da pobreza de Paracatu, porque aqui ainda existem homens capazes de defender nossa terra e nossa vida!” Para surpresa geral, até o vereador João Macedo (DEM), conhecido e criticado por ter defendido interesses da mineradora em Paracatu no passado, criticou duramente a empresa. “O discurso de vocês da RPM-Kinross está vazio. A propaganda das suas ações em benefício da comunidade não corresponde à realidade.” Macedo e outros vereadores, como Rosival Araújo (PT), Joãozinho Contador (PSDB) e Professor Glewton (PMDB) prometeram passar uma lei restringindo a área de mineração da transnacional canadense em Paracatu.
O gerente geral da mina da Kinross em Paracatu, Jairo Leal, e o consultor Eduardo Chapadeiro tentaram defender a nova barragem com argumentos técnicos que não convenceram a comunidade ali representada. “Na minha avaliação, o que os representantes da Kinross conseguiram provar com seus argumentos técnicos é que o Vale do Machadinho, por suas características de relevo, recarga e drenagem hídrica, é o local ideal para captação de água para abastecimento público. Ora, nós não podemos viabilizar o sucesso econômico transitório desta empresa transnacional às custas da nossa água, do nosso sangue, da nossa vida”, retrucou Dani.
A sessão de hoje marcou o lançamento da campanha “Salve o Santa Rita, Salve Paracatu”. O movimento continua sexta-feira próxima, em Varjão de Minas, onde o COPAM-Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais avaliará o pedido de licença da mineradora Kinross para instalar a barragem de rejeitos.
A fala do médico, cientista e presidente da Fundação Acangaú encontra-se reproduzida em www.alertaparacatu.blogspot.com.
Da redação do Alerta Paracatu, ww.alertaparacatu.blogspot.com
Salve o Santa Rita e Salve Paracatu
Pronunciamento de Sergio Ulhoa Dani na Tribuna da Câmara Municipal de Paracatu, em 16 de março de 2009:
“Os rios são nossos irmãos. Tudo o que acontecer a eles, acontecerá a nós, porque há uma ligação em tudo. E o líquido cristalino que corre neles não é simplesmente água, é o sangue dos nossos antepassados. Porque se nossa vida dependeu da água no passado, continuará a depender dela, hoje e no futuro. Porque água é vida. Água é sangue que corre nas nossas veias. Nós somos água.
Mas, nossa existência em Paracatu está ameaçada. Querem nos matar de sede, aos poucos. Primeiro, fizeram o nosso irmão Rico ficar pobre. Depois sangraram o Dominguinhos e mataram o Toninho. Agora querem matar nossa irmã Ritinha, o Ribeirão Santa Rita, para saciar a sede insaciável da ganância do ouro. Onde iremos matar a nossa própria sede, quando toda a nossa família tiver sido aniquilada para saciar a sede dessa mineradora transnacional canadense, RPM-Kinross?
No passado, bebíamos das águas do Córrego Rico, do Córrego São Domingos, do Córrego Santo Antônio, do Córrego das Termas, do Ribeirão Santa Rita, do Rego do Mestre de Campo e de várias cisternas que alcançavam o lençol freático. A cidade cresceu, e passamos a bombear água de poços artesianos. Os poços secaram ou foram contaminados e tiveram que ser desativados. A partir de 1996, bombeamos água do Ribeirão Santa Isabel, a 20 km de distância, e um elevado custo de energia elétrica. Basta haver um apagão de energia, que teremos falta d’água na cidade. Não falo de hipóteses; não estou fantasiando nem faço terrorismo. Faço um alerta sobre problema gravíssimo, que já aconteceu num passado recente, na época do Prefeito Manoel Borges, e poderá se repetir a qualquer momento: estado de calamidade pública por falta d’água em Paracatu.
Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem água, morre em 3 dias. Senhoras e senhores. Prestem atenção! Estamos falando da segurança hídrica e do suporte da vida em Paracatu, já sériamente ameaçados.
Mas, ainda temos um recurso precioso, uma rica e santa fonte de água, bem próxima da cidade. É fonte de água cristalina, água pura, água boa, água que já matou a sede de Paracatu no passado, e que está reservada para matar a sede da cidade no futuro. Falo da nossa caixa d’água sagrada, da bacia hidrográfica do Ribeirão Santa Rita, e especialmente do Vale do Machadinho, por onde corria o Rego do Mestre de Campo, trazendo água boa e barata, por queda natural, até o centro da cidade de Paracatu.
Mas, enquanto a população se multiplica e o calor e a poluição aumentam, as nossas fontes sagradas de água e de vida correm o risco de desaparecer debaixo da lama de uma empresa transnacional. Não podemos permitir essa barbaridade, essa insensatez, esse crime!
A estratégia da RPM-Kinross para fazer o cerco a Paracatu, talvez para varrer a cidade do mapa e assim facilitar o apoderamento das riquezas do seu subsolo é idêntica à estratégia de Israel para sufocar a Palestina. Ana Echevenguá descreve esta estratégia de guerra, conforme transcrito a seguir:
“Em 1990, o jornal Jerusalém Post publicou que “é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade”. Palavras do ministro da agricultura israelense sobre a necessidade de Israel controlar o uso dos recursos hídricos da Cisjordânia através da ocupação daquele território.
Situação idêntica aqui em Paracatu, onde a RPM-Kinross está aquirindo as terras do Vale do Machadinho, desmantelando toda uma comunidade secular, para adquirir controle e acesso ao Vale e à água.
Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor da Hebrew University, Haim Gvirtzman, respondeu que “Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de cinqüenta/cem milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza”.
Novamente aqui se constata a incrível semelhança. A bacia do Santa Rita, pela proximidade da cidade e pela disponibilidade de água e terras férteis, é o local da produção hortifrutigranjeira de Paracatu. Ao longo desta bacia, também existe agricultura irrigada. Tudo isso está sendo desmantelado e inviabilizado pelas outorgas d’água concedidas à mineradora. A desculpa é que ainda existem soluções técnicas e água para Paracatu, a que vem do Ribeirão Santa Isabel. Também é água cara, mas isso é problema dos palestinos de Paracatu.
E na Guerra pela Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d'água, grandes ou pequenos, confiscam as bombas d’água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços e novas fontes d’água. Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização.
A RPM-Kinross possui a maior outorga d’água no município de Paracatu. É água suficiente para irrigar uma área de mais de 100 mil hectares, ou seja, três vezes maior do que é irrigado hoje em Paracatu. A troco de que?
Botar a mão na água é coisa antiga. Britânicos e franceses no Oriente Médio definiram as fronteiras (em especial da Palestina) de olho nas águas da bacia do rio Jordão. Aqui também a RPM-Kinross está de olho nas águas do Santa Rita.
Desde 1948, Israel prioriza projetos, inclusive bélicos, para garantir o controle de água na região.
Gestão conjunta, seminário de parcerias, consumo igualitário de água, vazão ecológica, ética e consenso na água – palavras bonitas no papel, nas mesas de negociação, na mídia... Na prática, é utopia.
Senhores mineradores e dirigentes da RPM-Kinross: Permitam-me lembrá-los que vocês já mutilaram ou soterraram três córregos vitais em Paracatu e agora soubemos que vocês estão se preparando para soterrar três nascentes do Ribeirão Santa Rita para assim viabilizarem uma nova barragem de rejeitos três vezes maior do que a atual.
Esta é uma advertência, fiquem cientes que o Ribeirão Santa Rita é família para nós. Não toquem nele. Não molestem nossa irmã Ritinha. Isso é assunto de família, da grande família de Paracatu.
Nós não vamos tolerar que vocês aniquilem mais um dos nossos irmãos ou irmãs - sentenciando-nos a morrer de sede. Não joguem seu lixo em nossa santa caixa d’água porque ao fazê-lo vocês estarão causando mais um derramamento de sangue.
O que acontecer ao Ribeirão Santa Rita é o que vai acontecer às pessoas, porque há uma ligação em tudo.
De que vale ouro manchado de sangue?
Nós requeremos que vocês retirem o pedido de licença de instalação para a nova barragem do Vale do Machadinho. Nós exigimos uma discussão conjunta para encontrar soluções técnicas alternativas, bem como alternativas locacionais.
Se um acordo não puder ser alcançado, as atividades de mineração devem cessar de pronto e para sempre, não sem antes a RPM-Kinross pagar pelos danos sócio-ambientais já causados e os que ainda causará, e indenizar a população da cidade pelo enorme impacto sócio-econômico e ambiental sofrido.
Senhor Prefeito de Paracatu, Vasco Praça Filho, e senhor Promotor de Justiça, Mauro Ellovitch: vossas senhorias, na qualidade de nossos representantes, têm o poder de impedir esta catástrofe anunciada, do lançamento do lixo tóxico da mineradora transnacional em nossa caixa d’água sagrada e limpa. Façam isto!
Povo de Paracatu: o poder emana de nós, e é exercido por nossos representantes, ou diretamente por nós mesmos, nos termos da nossa Constituição Federal. Não vamos permitir esse novo e definitivo derramamento do sangue de Paracatu. Vamos à luta. Participe da campanha Salve o Santa Rita! Compareça à audiência pública do COPAM, sexta-feira próxima, dia 20 de março, para exigir a retirada do pedido de licença de instalação da obra que matará Paracatu de sede. Participe dos atos públicos de repúdio que faremos até que essa mineradora transnacional canadense e nossos representantes tomem a atitude humana e correta que esperamos deles. Se não tomarem, certamente lhes acontecerá o pior, porque há uma ligação em tudo. O que aqui se faz, aqui se paga. Nós repetimos, "esta é uma advertência". Não toquem em nossa irmã Ritinha.”
Referência:
Ana Echevenguá. A água (que ninguém vê) na guerra.
http://resistenciamilitar.blogspot.com/2009/01/oriente-mdio-guerra-pela-gua.html