Parecer de 06 de março de 2018
LD Dr.med. D.Sc. Sergio Ulhoa Dani (*)
O objeto deste parecer solicitado a mim pelo FONASC-CBH (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas) é o último relatório apresentado pela SUPRAM NOR, versando sobre o pedido de LO-Licença de Operação da Kinross Brasil Mineração SA (subsidiária integral da mineradora canadense Kinross Gold Corporation) em Paracatu-MG, Brasil (§).
Os impactos socioambientais da mineração de ouro a céu aberto da Kinross em Paracatu são em boa parte conhecidos e estão documentados em diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados nacionais e internacionais e outros meios. Características relevantes deste empreendimento incluem:
1. a destruição e degradação de importantes recursos hídricos numa região caracterizada pela escassez sazonal de água que afeta a manutenção dos processos ecológicos e produtivos e o abastecimento humano;
2. as estimadas 1.000.000 (um milhão) de toneladas de arsênio inorgânico liberadas das rochas sulfetadas da mina – em decorrência das atividades da mineração que incluem alterações físico-químicas da rocha minerada e seus compostos (desagregação, pulverização, oxidação, hidratação, solubilização, volatilização etc.) – e acumuladas em duas barragens de rejeitos situadas em vertente de água de importância estratégica nacional, a bacia do Rio São Francisco;
3. a contaminação ambiental pelo arsênio inorgânico liberado pela mineração é persistente e progressiva;
4. a proximidade de regiões densamente habitadas, bem como produtoras e consumidoras de alimentos, incluindo a própria capital federal, Brasília-DF é de alto risco para o consumo de alimentos produzidos na região de contaminação ambiental provável pelo arsênio disseminado pela mineração, além do perigo geológico e de eventuais ações criminosas e terroristas potencialmente facilitadas pelo arsênio acumulado nas barragens (o recente desastre da barragem de Mariana-MG ainda não totalmente esclarecido, ou no mínimo com esclarecimentos não divulgados, esmaece diante de um desastre envolvendo as barragens de Paracatu. No caso de Mariana, envolvendo rejeitos de mineração de ferro, existe a esperança da recuperação da Bacia do Rio Doce; no caso de Paracatu, envolvendo rejeitos da mineração de ouro, há risco real de contaminação permanente e irreversível de parte sensível do território nacional, notadamente partes da bacia do Rio São Francisco, e deslocamento da população deste território, tornado inabitável por tempo indeterminado, devido à contaminação pelo arsênio, dada a afinidade deste elemento tóxico a certos metais e à sua capacidade de substituir o fósforo em diversas vias metabólicas, gerando os chamados "ciclos fúteis");
5. a população residente em torno do empreendimento minerário da Kinross em Paracatu está cronicamente exposta ao arsênio liberado pela Kinross, em quantidade suficiente para ser causa provável de doenças e mortes. Em uma série de pacientes expostos cronicamente ao arsênio em Paracatu e examinados por mim, a concentração de arsênio no compartimento ósseo está aumentada de quatro (4) a 1.725 (mil, setecentas e vinte e cinco) vezes em comparação à mediana das concentrações de arsênio no compartimento ósseo reportadas em diferentes populações-controles ao redor do mundo (Dani 2017a; Dani & Walter 2018);
6. a degradação ambiental visível e a contaminação antropogênica do ambiente pelo arsênio em Paracatu estão cientificamente documentadas, são indisputáveis, consistentes com a intoxicação crônica do compartimento humano e suas manifestações clínicas e epidemiológicas (a Kinross sistematicamente nega esses fatos, apresentando relatórios contraditórios financiados por ela própria, preparados por pessoal sem qualquer competência médica usando metodologia inadequada);
7. a violação dos direitos universais e constitucionais, como o direito à vida e ao ambiente ecologicamente equilibrado, pela Kinross, vem sendo denunciada há anos, no Brasil e no exterior, sem qualquer responsabilização criminal da Kinross até o momento (Above Ground & Justiça Global, 2017).
Todo o histórico está registrado em publicações científicas feitas em periódicos indexados de circulação internacional com corpo editorial, ações judiciais e relatórios publicados no Brasil e no exterior, mas as autoridades governamentais têm sido omissas na resposta às indagações e denúncias de fundadas suspeitas a partir das evidências registradas. Por sobre tudo isto paira o risco epidemiológico de contaminação do compartimento humano e os altos custos de restabelecimento da saúde humana, quando possível.
O cenário de perigo, devido ao tempo de maturação do empreendimento, está chegando a limites críticos de intervenção em favor, ainda que cautelar, da saúde e da vida humanas em primeiro lugar e do equilíbrio ambiental em sequência.
Simplesmente não se pode desconhecer os perigos de grande vulto e alcance do empreendimento da Kinross, sensivelmente mais graves que vazamento ou depósito de material radioativo, face à ''invisibilidade'' do arsênio e sua mais difícil detecção no ambiente e nos organismos, bem como à permanência deste elemento no ambiente e sua toxicidade cumulativa sistêmica, em oposição ao decaimento dos elementos radioativos.
Diante de tudo o que já se sabe sobre a mineração de ouro da Kinross em Paracatu e seus efeitos danosos, é impossível renovar a LO-Licença de Operação da mina. Mais do que uma decisão técnica, trata-se de assunto de segurança nacional.
Renovar a LO da Kinross é impossível porque significaria o governo brasileiro autorizar, ou permitir, crime contra o ambiente e a vida, crime contra a paz, ecocídio (Berat 1993; Higgins 2015), equivalente a sujeitar as gerações atuais e futuras a um "campo de concentração" (KGC 2017; Valério 2015).
A Constituição Federal brasileira e as Nações Unidas proíbem esses crimes, daí a renovação da licença da Kinross em Paracatu pode ser interpretado como atentado do governo contra a Constituição por flagrante violação dos princípios, objetivos e direitos individuais e coletivos pertinentes.
Em vez de renovar a LO da Kinross, as autoridades do governo devem responsabilizar os representantes, investidores e acionistas da Kinross e seus apoiadores, inclusive o governo canadense, e exigir deles o saneamento e recuperação ambiental das áreas afetadas pela mineração em Paracatu e região, e a indenização justa do Estado brasileiro pelos danos causados aos povos e territórios, por sua ação ou negligência, no passado, no presente e no futuro.
LD Dr.med. D.Sc. Sergio Ulhoa Dani (*)
Presidente da Fundação Acangau CSO do Instituto Medawar de Pesquisa Médica e Ambiental
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(*) LD Dr.med. D.S.c Sergio Ulhoa Dani é médico formado pela UFMG-Universidade Federal de Minas Gerais (1991); médico aprovado pelo Brasil (MEC/CFM/CRM, 1991), Alemanha (Deutsche Approbation, 1994) e Suíça (MEBEKO, 2016), com licença para exercício da medicina nestes três países; Doutor em Medicina pela Medizinische Hochschule Hannover-Alemanha (1994); Doutor em Patologia pela UFMG (1996); livre docente em Genética pela Universidade de São Paulo (1999); autor de diversos livros e publicações científicas e médicas em revistas especializadas com corpo editorial e indexadas nos principais bancos de dados científicos e médicos mundiais. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9945441164947263
(§) Kinross Brasil Mineração S.A. - Lavra a céu aberto com tratamento a úmido, minerais metálicos, exceto minério de ferro - Paracatu/MG - PA/Nº 00099/1985/076/2016 DNPM nº 931.299/2009 - Classe 6. Apresentação: Supram NOR.
Referências e leituras sugeridas:
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