Paracatu dando exemplo
O caso de Paracatu já está servindo de exemplo para a luta nacional contra a destruição sócio-ambiental provocada pela mineração. Veja o que acontece na Bahia neste documento-manifesto da sociedade bahiana.
A Fundação Acangaú, o Instituto Medawar e o Instituto Serrano Neves declaram aqui o apoio aos nossos irmãos da Bahia.
CARTA DE SENHOR DO BONFIM
Nós, 37 representantes de entidades e organizações sociais das regiões
de Juazeiro, Senhor do Bonfim, Jacobina e Ruy Barbosa, reunidos nos
dias 22 e 23 de outubro, em um Seminário na cidade de Senhor do
Bonfim, vimos lançar um grito de alerta, denunciando os impactos
sociais, ambientais e culturais que a atividade mineral tem provocado
na região centro-norte da Bahia.
Esta denúncia emergiu com contundência neste seminário, fruto de uma
longa pesquisa com visitas às comunidades, reuniões, visitas aos
locais de pesquisa mineral, realizadas pela CPT, movimentos sociais,
ONG’s, sindicatos, paróquias e associações.
A partir dessa pesquisa, observa-se o avanço acelerado da pesquisa e
exploração mineral em quase todos os municípios da região, executado
por empresas privadas nacionais e internacionais e apoiados pelos
órgãos públicos federais, estaduais e municipais, através de
incentivos fiscais dentre outros benefícios.
Esse avanço acontece de forma que, após um momento inicial de
expectativa esperançosa, logo apresenta aos impactados, métodos e
atitudes anti-democráticas, invadindo de forma desrespeitosa as
comunidades sem o consentimento das famílias que ali vivem
tradicionalmente e de forma harmônica com a natureza.
Outra face revelada pelas empresas de mineração é o discurso enganoso,
não raramente apoiado por políticos e lideranças locais, com promessas
de geração de emprego, renda e progresso para as comunidades.
Trabalhadores e trabalhadoras presentes ao Seminário, que já passaram
pela atividade mineral, alertam para que as comunidades não se
enganem. Na maioria das vezes onde a mineração já está em andamento,
só se colhem frutos amargos. A degradação ambiental e da qualidade de
vida das pessoas marcam essas comunidades.
Em Angico dos Dias, município de Campo Alegre de Lourdes, a empresa
Galvani explora fosfato há mais de dez anos. A atividade da empresa
tem preocupado a comunidade, pois o pó mineral liberado no ar já
provocou sérias doenças respiratórias nas famílias e há, inclusive,
informações de morte de uma pessoa.
Emblemático e também preocupante é o que acontece nos municípios de
Andorinha e Campo Formoso, onde a exploração de cromo pela Ferbasa
(Ferros e Ligas da Bahia S/A) está provocando a contaminação das
águas, o afastamento de animais do seu habitat natural, a devastação
ambiental e a expulsão das famílias para a periferia das cidades da
região, com a grilagem das terras, destruindo o modo de vida das
comunidades tradicionais de Fundos de Pasto.
Em Itapura (ex Mocambo dos Negros), no município de Miguel Calmon, a
empresa QGN (Química Geral do Nordeste) que explora barita, acabou com
a água da comunidade e destruiu as culturas tradicionais que geravam
alimentos para pouco mais de 1000 pessoas, além de suspeita de
provocar doenças como silicose, problemas respiratórios e rachaduras
nas residências.
Partindo da pesquisa e estudando a legislação mineral e ambiental, não
há como não questionar o atual modelo de desenvolvimento consumista
que, no caso da mineração assim como o do agronegócio, está a serviço
dos interesses de grandes grupos do capital nacional e internacional.
Afirmamos que, caso se confirmem as autorizações de pesquisa e
concessões de lavra previstas para o estado da Bahia, a nossa região
poderá se tornar uma enorme área cheia de crateras, a exemplo de
Paracatu, em Minas Gerais, onde a exploração de ouro pela empresa
RPM/Kinross já deixou enormes feridas abertas pelas lavras a céu
aberto, rejeitos químicos depositados onde outrora havia belos lagos,
poeiras tóxicas, trabalhadores enfermos e a lembrança de nascentes que
secaram. Aqui nos perguntamos: será progresso e geração de emprego?
Percebemos também uma enorme contradição na postura das autoridades,
quando possibilitam, por exemplo, a implantação de mineradoras em
unidades de conservação, como a proposta de criação do Parque Nacional
Boqueirão da Onça (Campo Formoso, Sento Sé, Juazeiro, Sobradinho e
Umburanas) e a APA Dunas e Veredas na região de Pilão Arcado. Como uma
atividade comprovadamente degradante pode se conciliar com a
preservação da natureza?
O nosso grito de alerta sobre os impactos da mineração na Bahia não é
só nosso. Temos conhecimento de que estão sendo realizadas pesquisas e
aprofundamentos, a partir dos impactados e ameaçados, em várias
regiões do estado, como no Oeste e no Sul da Bahia. E temos notícias
de que os resultados são semelhantes aos observados em nossa região.
Em meio a este cenário, o que nos anima é que as comunidades, cada vez
mais, adquirem consciência crítica e se organizam para o
enfrentamento.
O nosso Seminário se concluiu com o compromisso de mobilização para a
luta contra este modelo de desenvolvimento, em que a mineração e o
agronegócio caminham juntos na destruição da vida em todas as
dimensões.
Convocamos para este compromisso as organizações da sociedade civil,
incluindo as igrejas e todas as denominações religiosas, os órgãos
ambientais, Ministério Público Federal e Estadual, e todos aqueles que
se consideram, como disse o poeta Vital Farias, “gente de valor/ gente
que tem memória, muita crença e muito amor/ para defender o que ainda
resta/ sem rodeios e sem aresta”.
Senhor do Bonfim, 23 de outubro de 2009
Comissão Pastoral da Terra das Dioceses de Juazeiro, Bonfim e Ruy
Barbosa – Bahia
CPT Bahia Regional - Salvador
SINTAGRO
União das Associações de Fundos de Pasto de Casa Nova (UNASFP)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pilão Arcado
Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Campo Formoso
Associação Comunitária Criadores e Lavradores de Lutanda e Adjacências
Comitê Regional Ecológico de Ruy Barbosa
STR de Baixa Grande
STR de Piritiba
CAFFP – Central das Associações de Fundo e Fecho de Pasto de Senhor do Bonfim
Articulação de Fundo de Pasto de Pilão Arcado
Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Andorinha
Associação Agropastoril de Lagoa da Onça de Andorinha
*As entidades e pessoas que quiserem aderir a esta carta, enviem e-mail para
cptba@cptba.org.br
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