A CORAGEM FEMININA NA DEFESA DA VIDA
Comenta Frei Gilvander Moreira (Santa a Aracruz? Malditas as Mulheres? 30/03/2006) o confronto do Movimento das Mulheres com a Aracruz Celulose, e cita:
"O que fere a consciência democrática de todos os brasileiros" é a redução violenta da biodiversidade, a exterminação da fauna e da flora brasileiras, a diminuição do volume de água nos locais do plantio, a contaminação do solo, da água dos rios e córregos pelo uso exagerado de herbicidas e outras substâncias tóxicas, provocando um grande desequilíbrio biológico com a infestação de pragas que atingem as residências e as produções agropecuárias da população vizinha ao eucaliptal."
Pesquisando no Google é vista a quantidade de notas sobre o conflito entre a Aracruz Celulose e os índios da região, notas que falam sobre a ocupação de terras indígenas para uso na exploração comercial da celulose e papel que é, na maior parte, exportada.
A agressão sócio-ambiental consistente na construção dos "desertos verdes" e diminuição da capacidade de sobrevivência e até mesmo expulsão de populações nativas de suas terras é defendida até pelos governos, em nome da economia do desenvolvimento.
A citação que faz Frei Gilvander é bastante para fazer entender o que acontece por lá e permitir a comparação com o que acontece em Paracatu, pois as diferenças não são significativas quando olhamos do ponto de vista das pessoas que sofrem os danos, principalmente quanto a " ... a diminuição do volume de água nos locais do plantio, a contaminação do solo, da água dos rios e córregos ..."
Lá os materiais tóxicos vem do plantio de eucalipto, aqui vem da mineração a céu aberto e movimentação do mineral.
Lá as mulheres, como que perdendo a paciência, tiveram que partir para a agressão ao patrimônio da Aracruz Celulose, destruindo mudas e laboratórios.
Podemos imaginar a quanto de pressão resistiram antes de tomarem a decisão, pressão que deve ter causado sofrimento tão grande que assumiram o risco.
É triste ver mulheres partindo para a violência porque as autoridades dos governos não souberam, não puderam, ou não quiseram estabelecer a paz sócio-ambiental através de medidas administrativas.
Proteger os pobres e os nativos parece não fazer parte do interesse dos governantes, mas o interesse eleitoral temos certeza de que faz parte.
Em Paracatu não chegamos ainda no estágio de perder a paciência apenas por falta de informação, vez que os danos sócio-ambientais decorrentes da mineração industrial não são visíveis para toda a população, embora estejam visíveis para o governo local.
As partes da cidade que estão sendo compradas pela mineradora RPM ou ameaçadas com servidão minerária, abrigaram e ainda abrigam mulheres humildes e pobres que nas suas humildes e pobres casas criaram seus filhos e netos, e estão sendo agredidas no seu direito natural de viver e morrer sobre a terra que adquiriram e edificaram com esforço.
Assim como o patrimônio é preservado no Centro Histórico de Paracatu, mantendo nos casarões a história da vida dos que neles moraram, devemos entender que por pouco que seja o tempo de existência da morada de uma família pobre uma história de vida está sendo formada.
O progresso, ou desenvolvimento, não pode acontecer com a destruição dos sentimentos humanos.
Por quase trezentos anos Paracatu viveu sem a RPM, e estes últimos vinte anos não mostram que as mudanças tenham sido boas a ponto de vender a cidade e a consciência do povo por algum dinheiro que deixará de entrar na economia daqui a trinta anos.
O ouro de Paracatu, mesmo levado pelos estrangeiros durante quase trezentos anos foi também garimpado pelos paracatuenses.
E Paracatu viveu três séculos construindo sua história, suas tradições, e produzindo inteligências notáveis para o Brasil.
Que história, tradição ou inteligência a RPM produziu nos últimos vinte anos?
Que história, tradição ou inteligência produzirá nos próximos trinta anos?
Que história, tradição ou inteligência será produzida pelo buracão que será deixado?
São perguntas que as mulheres de Paracatu precisam fazer a si mesmas e responder com a consciência de que seus filhos e os filhos de seus filhos têm direito a uma vida feliz nesta terra, sem a dependência de que uma mineradora estrangeira fique distribuindo benefícios, pois a mineradora, um dia, não mais existirá, e a "transformação social" e a "assistência social" que fazem acabará.
Sem mineradora e sem ouro a quem pediremos mais transformação e mais assistência?
Possível que alguma empresa de turismo se estabeleça, nos mesmos moldes de distribuir benefícios, para explorar a visitação no "deserto minerário".
Precisamos colocar as coisas no lugar, restabelecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para evitar perder a paciência.
As mulheres de Paracatu podem ser exemplo para o Brasil e para o mundo de que a consciência feminina da geração e manutenção da vida pode ser um agente transformador da sociedade, garantindo a geração e manutenção das vidas no futuro.
Cylene Gama
Gestora Operacional do Instituto Serrano Neves
Mulheres na Defesa da Água e da Vida - MUDE A VIDA
www.serrano.neves.nom.br
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