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quinta-feira, 1 de maio de 2014

'Em relação ao arsênio, nós estamos controlados'

Por Sergio Ulhoa Dani, de Bremen, em 1º de maio de 2014.


Circula na internet um vídeo sobre a audiência pública realizada dia 18 de março de 2014 na Câmara Municipal de Paracatu, ocasião em que um 'relatório final da avaliação da contaminação ambiental de Paracatu por arsênio' foi apresentado. [1]

O vídeo mostra o pequeno auditório da Câmara Municipal de Paracatu com várias cadeiras desocupadas, o que torna fácil reconhecer a presença de representantes da mineradora de ouro transnacional canadense Kinross, como Alessandro Nepomuceno e Juliana Esper, entre vereadores, o prefeito de Paracatu, o promotor público Paulo Campos e a pesquisadora do CETEM-Centro de Tecnologia Mineral do governo federal, Zuleica Castilhos.

O locutor abre o vídeo com a afirmação atribuída à pesquisadora Zuleica Castilhos de que 'todas as análises de arsênio feitas em Paracatu apresentaram valores muito abaixo do máximo permitido'. [2,3] Em seguida, a própria pesquisadora afirma que 'não encontrou casos de adoecimento associado ao arsênio no município'. [4-6]

Mais adiante o vereador  ‘Professor Hamilton’ comenta: 'pesquisa a gente não questiona, a gente respeita e aceita'. Outro vereador, ‘Oswaldinho da Capoeira’ informa que ele também tem ‘um dado importante a revelar’: 'esse ano já foram atendidas 1123 pessoas de Paracatu no Hospital do Câncer de Barretos, enquanto da cidade vizinha Unaí, que não tem mineração, mais de 2 mil pessoas foram atendidas'. E conclui, num ar revelador: 'você em casa pode ficar tranquilo porque, em relação ao arsênio, nós estamos controlados'.

O promotor público Paulo Campos também parece tranquilo com a falta de indicadores de arsênio causando câncer na pesquisa: 'a população pode ficar tranquila, porque nessa pesquisa não houve qualquer indicador que pudesse trazer preocupação'. [7]

O prefeito de Paracatu Olavo Condé diz que 'os níveis de contaminação estão tranquilos'. Mesmo assim, o prefeito quer 'tomar medidas para que os níveis de arsênio em áreas com índice de contaminação a níveis aceitáveis comecem a baixar'. [8]

‘O nível de arsênio aqui é muito baixo’, sentencia o vereador Oswaldinho Capoeira. ‘São pessoas de má-fé que alarmam a nossa comunidade’, conclui o vereador. [9]  

Notas de esclarecimento:
[1] Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=elQwJQ54oYA
[2] Os autores do vídeo não informam que a mineradora transnacional canadense Kinross lança centenas de milhares de toneladas de arsênio inorgânico ao ambiente em Paracatu. Ou que apenas a fração desse arsênio liberada através da poeira da mina é suficiente para intoxicar toda a população da cidade. 
[3] Não existe dose segura para uma substância como arsênio, que causa câncer e uma série de outras doenças. Os ‘níveis máximos recomendados’ refletem simplesmente a capacidade técnica de detecção de arsênio.
[4] A ausência da prova não é prova da ausência. Aguardamos a publicação ‘de verdade’ do estudo da pesquisadora, para entender que tipo de análise ela fez, entre 2010 e 2013 em Paracatu, para chegar às suas conclusões.
[5] ‘Jamais eu vou acreditar nessa pesquisa. Se tem contaminação do Córrego Rico até o Entre-Ribeiros não acredito que a cidade esteja isenta. Tenho familiar que foi demitido da empresa, porque não aceitou fazer as coisas ilegais que eles queriam. A Kinross não é boa para Paracatu, Paracatu é que é boa para ela. Os senhores  deveriam ser responsabilizados por cada caso de câncer desta cidade.’ (Comentário do ex-vereador Gaspar Chaveiro, presente na audiência pública, reproduzido no jornal ‘O Movimento’ de Paracatu, Edição 453, março de 2014).
[6] ‘Há 27 anos essa empresa está aqui e só agora estão tentando explicar se ela é nociva vou não. Acho que isso aqui hoje deveria ser falado para pessoas com competência para discutir o assunto, pois nós somos leigos. Diversas vezes eu estive presente aqui na Câmara e ouvi médicos falar sobre os males da mineradora. Nunca vi nenhuma audiência pública ter resultado posterior. Marcar o tempo que nós da comunidade temos para falar já não está certo. Isso é mais uma tapeação para a sociedade. A interrogação vai continuar.’ (Comentário de um morador local, reproduzido no jornal ‘O Movimento’ de Paracatu, Edição 453, março de 2014).
[7] Queremos estudos que usem indicadores adequados. Os indicadores que ‘não trazem preocupação’ podem não ser os indicadores adequados.
[8] Essa declaração da ‘tranquilidde dos níveis’ deixa intranquilo qualquer bom entendedor. 
[9] Para uma platéia que claramente desconhece os métodos e a função da ciência, é fácil confundi-la com a fé.

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