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quinta-feira, 1 de maio de 2014

O tesouro venenoso de Paracatu - Parte IV (última parte)

‘Se eles me pagarem bem, então eu vou embora’.


A fazenda de José Eustáquio Resende está cercada pela mina - mas ele não pode dar-se ao luxo de ir embora. | © Photo Agency Giorgio Palmera / Eco


Para Mauro Mundim da Costa, tudo isso só pode ser uma grande piada. ‘Todos aqui sabem: as bombas explodem na mina e os nossos filhos não podem mais respirar,’ reclama o chefe da associação de moradores, ele próprio morador de um dos bairros relativamente menos atingidos da cidade. E quem precisa de grandes estudos e comparações internacionais, para saber que não se deve conduzir explosões em uma mina de veneno situada ao lado de uma cidade?

‘Talvez aqui seja preciso fazer uma rebelião armada’, completa Costa. Ele não fala a sério, é um desabafo. Mas, mesmo assim, ele e outros membros da sua associação já ocuparam, durante horas, com raiva impotente, os acessos principais à mina, de modo que ninguém podia entrar ou sair. 

A luta contra a mina de Paracatu é uma luta pelo ambiente e pela justiça -, mas também uma luta que tem consequências muito diferentes para as diferentes camadas sociais. A mulher que tinha organizado a resistência nos quilombos teve que se afastar. Agora ela vive em Belo Horizonte, a uma distância de seis horas de viagem; as pessoas em Paracatu contam que houve uma tentativa de assassinato contra ela, e de fato, ela está num programa de proteção às testemunhas da polícia. O médico Sergio Dani também deixou Paracatu e agora trabalha como médico em hospitais na Alemanha, onde desenvolve novos métodos de detecção de arsênio na urina para poder comprovar a gravidade da situação na sua pátria. Em Paracatu, ele raramente aparece. ‘Aqui tornou-se desconfortável para ele’, diz um amigo.

Pessoas como ele podem mudar-se definitivamente, elas conseguem levar uma vida fora de Paracatu. José Eustáquio Resende não consegue. O fazendeiro de cana-de-açúcar de 63 anos de idade refugia-se do sol escaldante do meio-dia à sombra de uma árvore retorcida. De pé, ali, com sua calça cinza folgada, a camisa azul desbotada e o chapéu de aba larga, ele lembra um espantalho. Ele não acha graça nisso. ‘Aqui não há mais aves’, diz ele. ‘O que mais tem aqui agora são cobras. Ano passado elas mataram quatro dos meus cães.’

O equilíbrio da natureza saiu fora dos eixos, diz Resende. Com um movimento de varredura do braço, o agricultor mostra a causa do problema: além da sua pequena fazenda de cana de açúcar, tudo em volta está em degradação acelerada. As escavadeiras gigantes da Kinross cavaram fossas no solo e ergueram barragens para a lama da mina de ouro. Essas barragens de lama já devoraram as fazendas vizinhas. Hoje quem quiser visitar Resende tem que viajar por quilômetros através dos terrenos empoeirados da mineração de ouro, e passar por controles de segurança. Recentemente, quando um incêndio queimou seus campos, a brigada de incêndio simplesmente ficou parada ali, assistindo o fogo queimar tudo, diz ele.

‘Eu sinto a falta dos passarinhos’, diz Resende. Ele realmente quer mostrar resistência, mas não consegue. ‘Se eles me pagarem bem, então eu vou embora. Mas se eles não pagarem bem, eu não posso sair, eu não consigo construir uma nova existência para mim, então eu não tenho opção.’ Então, ele pode ficar por aqui mesmo, respirar a poeira e esperar pelo que vai acontecer.

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