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sábado, 3 de maio de 2014

Estudo revela: níveis baixos de arsênio já causam redução da memória, raciocínio e compreensão


Um estudo realizado nos EUA sobre arsênio na água potável encontrou algo surpreendente: apenas cinco partes por bilhão (0,005 ppm) de arsênio já pode causar “a redução da memória de escala total e de trabalho, raciocínio da percepção e resultados de compreensão verbal” em crianças.

A pesquisa foi liderada por José Graziano, PhD, professor de Ciências da Saúde Ambiental da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade de Columbia. O estudo envolveu 272 crianças de três distritos escolares em Maine.
Graziano resumiu os resultados explicando que “aspectos da inteligência executiva, particularmente o raciocínio da percepção e memória de trabalho, são afetados pela exposição ao arsênio na água potável“.
Ele continua dizendo: “Nós também observamos uma queda acentuada nos resultados de inteligência em uma faixa muito baixa de concentrações de arsênio na água“.
Clique aqui para ver o resumo do estudo (em inglês).
Este estudo derruba o mito da conclusão que pequenas quantidades de metais pesados ​​não podem ser prejudiciais “porque elas são tão baixas”. Neste estudo, nós estamos falando de uma concentração de apenas 5 partes por bilhão na água.

Arsênio no arroz
O post “Arsênico no Arroz Pode Causar Danos Genéticos e Câncer“, dá uma idéia dos danos que o arsênio no arroz pode causar. No mesmo artigo aprende-se que o arroz no Brasil contém arsênio geralmente na faixa de 222 ppb, ou seja, mais de 44 vezes o necessário para causar problemas de memória em crianças, de acordo com o estudo americano. Claro que, a princípio, não se come tanto arroz quanto se toma água.

Limites de arsênio no Brasil
Até 2013, o limite de arsênio nos produtos alimentícios era regulamentado através da Portaria SVS nº 685, de 27-08-1998, que estabelecia o limite de 1,0 mg/kg (1000 ppb) no caso de “cereais e produtos à base de cereais“. Ano passado, a Resolução nº 42, de 29-08-2013, diminuiu este limite de arsênio no “arroz e seus derivados exceto óleo” de até 0,30 mg/kg (300 ppb). Isto quer dizer, o arsênio detectado no arroz brasileiro está abaixo do limite da Anvisa, mas bem acima da quantidade que (na água) pode potencialmente causar problemas cognitivos em crianças.
Já o limite do arsênio para a água potável no Brasil é o mesmo dos EUA, 0,01 mg/L ou 10 ppb. Este limite foi estabelecido pela Portaria Nº 2.914, de 12 de Dezembro de 2011 (anexo com os valores). Ou seja, o dobro da quantidade necessária para causar problemas cognitivos e de memória em crianças, de acordo com o estudo americano.

Limites nos EUA
Os níveis que estamos documentando são em muitos casos centenas de vezes maiores do que os 5 ppb de arsênio deste estudo. Não se tinha idéia de que o arsênio poderia afetar o funcionamento do cérebro a apenas 5 ppb (0,005 ppm) na água potável. Entretanto, há muito tempo sabemos que não existe dose segura para uma substância como arsênio. Os "limites máximos de arsênio" simplesmente refletem a capacidade técnica dos laboratórios de detectar o arsênio, ou a motivação política dos legisladores.
A EPA (Agência de Proteção ao Ambiente dos EUA) atualmente limita os níveis de arsênio na água de abastecimento público em 10 ppb (partes por bilhão). Este limite é baseado em “arsênio total”, incluindo ambos arsênio inorgânico e arsênio orgânico. Onde está todo esse arsênio? De acordo com a EPA (3):
O arsênio presente na natureza é chamado "arsênio natural", enquanto o arsênio liberado pelas atividades humanas para a natureza é chamado "arsênio antropogênico". A fonte principal do arsênio, e também a fonte principal da forma mais tóxica do arsênio, a inorgânica, é antropogênica: a mineração de metais (principalmente a mineração de ouro), seguida da queima de combustíveis fósseis (especialmente carvão mineral). Aproximadamente 90 por cento do arsênio industrial nos EUA é atualmente usado como conservante de madeira, mas o arsênio também é usado em tintas, corantes, metais, drogas, sabonetes e semi-condutores. Altos níveis de arsênio também podem ser encontrados em certos fertilizantes e aditivos usados na alimentação animal. 

FDA não tem limite de arsênio em alimentos
Mesmo que a EPA recomende o limite de 10 ppb de arsênio na água potável, a FDA não recomenda limites de arsênio em alimentos, suplementos ou superalimentos. Para muitos norte-americanos, isto é desconcertante: Por que a FDA não tem limite para metais pesados ​​tóxicos na cadeia alimentar dos EUA?
Certas algas, por exemplo, contêm mais de 50 ppm de arsênio – que é mais de 10.000 vezes o limite para o arsênio da EPA na água potável.
É claro que ninguém está comendo algas nas mesmas quantidades que estão bebendo água, e grande parte do arsênio em algas está na forma orgânica (que não é tão prejudicial como arsênio inorgânico). Mesmo assim, o fato de algas populares conterem 10 mil vezes o nível de arsênio total significativamente necessário para diminuir a função cognitiva em crianças é bastante alarmante.
Os metais pesados ​​são tóxicos para o funcionamento do cérebro e até níveis extremamente baixos de arsênio estão agora documentados como causadores de prejuízo cognitivo em crianças.
Isso deve nos deixar ainda mais preocupados com os metais pesados ​​tóxicos que aparecem nas comidas, suplementos e outros produtos cultivados na China, Índia, Brasil e outros países onde não existe regulamentação ambiental, ou ela existe, mas é ignorada.
Uma pergunta fica no ar: e o arsênio que nós respiramos todo dia? o arsênio inorgânico altamente tóxico que as mineradoras liberam para a atmosfera na forma de poeira e gás, e todos nós somos obrigados a respirar? Um estudo do grupo do médico e professor Allan Smith, da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, mostrou que, pelo menos no que diz respeito à capacidade do arsênio de causar câncer, não faz diferença se o arsênio é absorvido por ingestão ou por inalação.

Nota: este artigo foi traduzido, adaptado e acrescentado a partir deste artigo do site Natural News.

Fontes:
Natural News: Near-zero levels ofarsenic found to significantly impair intelligence and reasoning of U.S.schoolchildren (Notícias Naturais: Níveis de arsênio próximos de zero podem prejudicar a inteligência e o raciocínio das crianças)
Resolução nº 42, de 29-08-2013

quinta-feira, 1 de maio de 2014

'Em relação ao arsênio, nós estamos controlados'

Por Sergio Ulhoa Dani, de Bremen, em 1º de maio de 2014.


Circula na internet um vídeo sobre a audiência pública realizada dia 18 de março de 2014 na Câmara Municipal de Paracatu, ocasião em que um 'relatório final da avaliação da contaminação ambiental de Paracatu por arsênio' foi apresentado. [1]

O vídeo mostra o pequeno auditório da Câmara Municipal de Paracatu com várias cadeiras desocupadas, o que torna fácil reconhecer a presença de representantes da mineradora de ouro transnacional canadense Kinross, como Alessandro Nepomuceno e Juliana Esper, entre vereadores, o prefeito de Paracatu, o promotor público Paulo Campos e a pesquisadora do CETEM-Centro de Tecnologia Mineral do governo federal, Zuleica Castilhos.

O locutor abre o vídeo com a afirmação atribuída à pesquisadora Zuleica Castilhos de que 'todas as análises de arsênio feitas em Paracatu apresentaram valores muito abaixo do máximo permitido'. [2,3] Em seguida, a própria pesquisadora afirma que 'não encontrou casos de adoecimento associado ao arsênio no município'. [4-6]

Mais adiante o vereador  ‘Professor Hamilton’ comenta: 'pesquisa a gente não questiona, a gente respeita e aceita'. Outro vereador, ‘Oswaldinho da Capoeira’ informa que ele também tem ‘um dado importante a revelar’: 'esse ano já foram atendidas 1123 pessoas de Paracatu no Hospital do Câncer de Barretos, enquanto da cidade vizinha Unaí, que não tem mineração, mais de 2 mil pessoas foram atendidas'. E conclui, num ar revelador: 'você em casa pode ficar tranquilo porque, em relação ao arsênio, nós estamos controlados'.

O promotor público Paulo Campos também parece tranquilo com a falta de indicadores de arsênio causando câncer na pesquisa: 'a população pode ficar tranquila, porque nessa pesquisa não houve qualquer indicador que pudesse trazer preocupação'. [7]

O prefeito de Paracatu Olavo Condé diz que 'os níveis de contaminação estão tranquilos'. Mesmo assim, o prefeito quer 'tomar medidas para que os níveis de arsênio em áreas com índice de contaminação a níveis aceitáveis comecem a baixar'. [8]

‘O nível de arsênio aqui é muito baixo’, sentencia o vereador Oswaldinho Capoeira. ‘São pessoas de má-fé que alarmam a nossa comunidade’, conclui o vereador. [9]  

Notas de esclarecimento:
[1] Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=elQwJQ54oYA
[2] Os autores do vídeo não informam que a mineradora transnacional canadense Kinross lança centenas de milhares de toneladas de arsênio inorgânico ao ambiente em Paracatu. Ou que apenas a fração desse arsênio liberada através da poeira da mina é suficiente para intoxicar toda a população da cidade. 
[3] Não existe dose segura para uma substância como arsênio, que causa câncer e uma série de outras doenças. Os ‘níveis máximos recomendados’ refletem simplesmente a capacidade técnica de detecção de arsênio.
[4] A ausência da prova não é prova da ausência. Aguardamos a publicação ‘de verdade’ do estudo da pesquisadora, para entender que tipo de análise ela fez, entre 2010 e 2013 em Paracatu, para chegar às suas conclusões.
[5] ‘Jamais eu vou acreditar nessa pesquisa. Se tem contaminação do Córrego Rico até o Entre-Ribeiros não acredito que a cidade esteja isenta. Tenho familiar que foi demitido da empresa, porque não aceitou fazer as coisas ilegais que eles queriam. A Kinross não é boa para Paracatu, Paracatu é que é boa para ela. Os senhores  deveriam ser responsabilizados por cada caso de câncer desta cidade.’ (Comentário do ex-vereador Gaspar Chaveiro, presente na audiência pública, reproduzido no jornal ‘O Movimento’ de Paracatu, Edição 453, março de 2014).
[6] ‘Há 27 anos essa empresa está aqui e só agora estão tentando explicar se ela é nociva vou não. Acho que isso aqui hoje deveria ser falado para pessoas com competência para discutir o assunto, pois nós somos leigos. Diversas vezes eu estive presente aqui na Câmara e ouvi médicos falar sobre os males da mineradora. Nunca vi nenhuma audiência pública ter resultado posterior. Marcar o tempo que nós da comunidade temos para falar já não está certo. Isso é mais uma tapeação para a sociedade. A interrogação vai continuar.’ (Comentário de um morador local, reproduzido no jornal ‘O Movimento’ de Paracatu, Edição 453, março de 2014).
[7] Queremos estudos que usem indicadores adequados. Os indicadores que ‘não trazem preocupação’ podem não ser os indicadores adequados.
[8] Essa declaração da ‘tranquilidde dos níveis’ deixa intranquilo qualquer bom entendedor. 
[9] Para uma platéia que claramente desconhece os métodos e a função da ciência, é fácil confundi-la com a fé.

O tesouro venenoso de Paracatu - Parte IV (última parte)

‘Se eles me pagarem bem, então eu vou embora’.


A fazenda de José Eustáquio Resende está cercada pela mina - mas ele não pode dar-se ao luxo de ir embora. | © Photo Agency Giorgio Palmera / Eco


Para Mauro Mundim da Costa, tudo isso só pode ser uma grande piada. ‘Todos aqui sabem: as bombas explodem na mina e os nossos filhos não podem mais respirar,’ reclama o chefe da associação de moradores, ele próprio morador de um dos bairros relativamente menos atingidos da cidade. E quem precisa de grandes estudos e comparações internacionais, para saber que não se deve conduzir explosões em uma mina de veneno situada ao lado de uma cidade?

‘Talvez aqui seja preciso fazer uma rebelião armada’, completa Costa. Ele não fala a sério, é um desabafo. Mas, mesmo assim, ele e outros membros da sua associação já ocuparam, durante horas, com raiva impotente, os acessos principais à mina, de modo que ninguém podia entrar ou sair. 

A luta contra a mina de Paracatu é uma luta pelo ambiente e pela justiça -, mas também uma luta que tem consequências muito diferentes para as diferentes camadas sociais. A mulher que tinha organizado a resistência nos quilombos teve que se afastar. Agora ela vive em Belo Horizonte, a uma distância de seis horas de viagem; as pessoas em Paracatu contam que houve uma tentativa de assassinato contra ela, e de fato, ela está num programa de proteção às testemunhas da polícia. O médico Sergio Dani também deixou Paracatu e agora trabalha como médico em hospitais na Alemanha, onde desenvolve novos métodos de detecção de arsênio na urina para poder comprovar a gravidade da situação na sua pátria. Em Paracatu, ele raramente aparece. ‘Aqui tornou-se desconfortável para ele’, diz um amigo.

Pessoas como ele podem mudar-se definitivamente, elas conseguem levar uma vida fora de Paracatu. José Eustáquio Resende não consegue. O fazendeiro de cana-de-açúcar de 63 anos de idade refugia-se do sol escaldante do meio-dia à sombra de uma árvore retorcida. De pé, ali, com sua calça cinza folgada, a camisa azul desbotada e o chapéu de aba larga, ele lembra um espantalho. Ele não acha graça nisso. ‘Aqui não há mais aves’, diz ele. ‘O que mais tem aqui agora são cobras. Ano passado elas mataram quatro dos meus cães.’

O equilíbrio da natureza saiu fora dos eixos, diz Resende. Com um movimento de varredura do braço, o agricultor mostra a causa do problema: além da sua pequena fazenda de cana de açúcar, tudo em volta está em degradação acelerada. As escavadeiras gigantes da Kinross cavaram fossas no solo e ergueram barragens para a lama da mina de ouro. Essas barragens de lama já devoraram as fazendas vizinhas. Hoje quem quiser visitar Resende tem que viajar por quilômetros através dos terrenos empoeirados da mineração de ouro, e passar por controles de segurança. Recentemente, quando um incêndio queimou seus campos, a brigada de incêndio simplesmente ficou parada ali, assistindo o fogo queimar tudo, diz ele.

‘Eu sinto a falta dos passarinhos’, diz Resende. Ele realmente quer mostrar resistência, mas não consegue. ‘Se eles me pagarem bem, então eu vou embora. Mas se eles não pagarem bem, eu não posso sair, eu não consigo construir uma nova existência para mim, então eu não tenho opção.’ Então, ele pode ficar por aqui mesmo, respirar a poeira e esperar pelo que vai acontecer.