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sábado, 29 de março de 2014

O tesouro venenoso de Paracatu - Parte I

No Brasil cresce a resistência contra a exploração mineral nociva ao ambiente e às pessoas. Uma visita a uma das maiores minas de ouro da América Latina. POR THOMAS FISCHERMANN



O garimpeiro José Joaquim Teixeira sabe: O ouro de Paracatu vem misturado com muito arsênio. | © Photo Agency Giorgio Palmera / Eco


A mina de ouro está localizada junto à pequena cidade de Paracatu, e se expande. A operadora da mina, Kinross Gold Korporation libera o ouro da rocha com explosões, um moinho de minério e processos químicos. | © Photo Agency Giorgio Palmera / Eco

A partir do telhado de zinco da casa simples que pertence ao José Joaquim Teixeira tem-se uma excelente vista da explosão. Em cada dia de trabalho na gigantesca cava da mina, por volta das 16 horas um tesouro é arrancado da terra. A dinamite explode toneladas de rocha e faz tilintar taças de vidro a quilômetros de distância, e logo depois uma nuvem cinzenta paira sobre o vale. O sol atinge as partículas de poeira e as tinge de um amarelo sujo, até que o vento as apanha e as sopra sobre as colinas, sobre a casa do José Teixeira e sua cidade natal de Paracatu.

Paracatu, 80.000 habitantes, localizada a três horas de viagem de carro à sudeste da capital do Brasil, Brasília, foi construída sobre uma pepita de ouro. Em 1722, o povoado viveu sua primeira corrida do ouro, e até há poucas décadas seus moradores, após as chuvas fortes, ainda punham-se a procurar, na lama e no cascalho deixado pelas enxurradas, pelos caminhos, pedrinhas e pozinhos brilhantes que prometiam um pouco de prosperidade.

Entrementes, o asfalto cobriu as vias e os caminhos de Paracatu, uma empresa de mineração comprou a terra da região, e há dez anos José Texeira não é mais o que costumava ser: um garimpeiro profissional. Por décadas, esse homem negro parrudo enfurnava-se com sua bateia pelos córregos e riachos, e mesmo quando a operadora da mina veio com escavadeiras e explosivos, ele ainda se punha a trabalhar nos efluentes e rejeitos da mineração mecanizada. Até que, em 2004, um novo e mais agressivo proprietário da mina, a empresa mineradora canadense Kinross expulsou os últimos garimpeiros com cães e armas. O ouro, como consta do seu contrato com o governo, pertence somente à Kinross.

José Teixeira sabe até hoje tudo sobre o ouro desta área - e ele também conhece o seu lado sombrio. "Onde está o ouro? Aqui por toda a parte!", diz ele , apontando para o chão, e apanha um pedaço de rocha. É um pedaço de rocha cinza com veios finos, eles são amarelos, marrons e esverdeados, uma mistura perigosa. O ouro de Paracatu vem colado ao arsênio, um veneno inodoro, do qual pequenas quantidades bastam para matar um ser humano, e que lentamente se acumula nas vias aéreas e nos ossos, e faz crescer tumores cancerígenos, danifica os nascituros e desencadeia todo um catálogo de queixas crônicas.

O arsênio acompanha o ouro em quase todos os lugares, mas na área de Paracatu a proporção é particularmente desfavorável. Em quatro quilos de rocha encontra-se aqui apenas 0,4 grama de ouro, mas 300 gramas de arsênio (1). Sob Paracatu jaz um tesouro – mas também veneno suficiente para erradicar teoricamente mil vezes toda a humanidade.

Então o que acontece se a cada dia explode arsênio em uma mina a céu aberto que está localizada no meio de uma pequena cidade? Se a poeira é lançada ao ar ? Se o ouro é extraído através de moagem – aliás num moinho fornecido pela Siemens – e processos químicos que dissolvem o ouro, e os efluentes tóxicos são bombeados para lagoas de infiltração ?

Durante as últimas décadas, essas questões eram secundárias no Brasil. O boom das commodities tinha prioridade. O Brasil queria sair da condição de país emergente para tornar-se um poderio industrial e mundial, e para isso a riqueza tinha que sair do chão. As matérias-primas que respondem por quase um quarto de todas as exportações brasileiras precisavam ser enviadas para a China, os EUA e a Europa, e elas também tinham que alimentar o rápido crescimento da indústria doméstica. Questões de saúde pública ou de proteção ambiental eram algo para belos discursos dominicais e para leis que ninguém levava a sério.

Mas quando o grupo canadense Kinross assumiu a mina de Paracatu em 2003, e em poucos anos triplicou a exploração de ouro usando novas técnicas de “supermineração”, ele trombou suas escavações e explosões contra algo totalmente novo: uma resistência feroz.

Notas do tradutor:

(1) O ouro na mina a céu aberto de Paracatu ocorre juntamente com a arsenopirita, um mineral sulfetado de arsênio de fórmula química FeAsS. Segundo relatórios oficiais da própria mineradora Kinross Gold Corporation, a quantidade de arsênio presente no minério de ouro de Paracatu é muito alta.  Na folha 317 da Ação Civil Pública (ACP) movida a partir de 2009 pela Fundação Acangau contra a Kinross, a mineradora informa que o arsênio “está presente em 1,5% do minério de ouro, em média”. Um e meio por cento significa 1,5 kg de arsênio para cada 100 kg de minério, equivalente a 15 partes de arsênio por mil partes de minério, ou 15 kg de arsênio por tonelada de minério. Essa concentração é quinze vezes maior que a anunciada pela própria ré em outros relatórios técnicos (Henderson RD. 2006. Paracatu Mine Technical Report. Kinross Gold Corporation, July 31, 2006. Disponível na internet em: http://www.kinross.com/operations/pdf/Technical-Report-Paracatu.pdf;  relatório da ré reproduzido na folha 1344 da citada ACP indica concentração de arsênio de 1000-1500 ppm). Considerando a quantidade total de minério de ouro com arsênio a ser processado pela ré a partir do chamado “projeto de expansão III” iniciado em 2007, cerca de um bilhão de toneladas, chega-se à quantidade total de arsênio, multiplicando-se 1,5% por um bilhão: 15 milhões de toneladas (em vez de 1 milhão de toneladas, conforme depreendido do relatório de Henderson, 2006, citado acima). A Kinross informa que “apenas uma ínfima quantidade residual de cerca de 1%” do arsênio liberado da rocha é lançado na lagoa de rejeitos, sendo o restante depositado em tanques específicos (fl. 318 da ACP). Essa quantidade “ínfima” seria então equivalente a 150 mil toneladas (1% x 15 milhões de toneladas = 150 mil toneladas), embora a Kinross informe, na folha 318 da ACP, que trata-se, na verdade, de 463.640 toneladas de arsênio, portanto uma quantidade 3x maior.  A Kinross informa, na nota de rodapé da folha 318 da ACP, que desse valor total, “apenas 1,8 toneladas estão diluídas na água; o restante permanece estável nos rejeitos, da mesma forma como estavam na mina”. Essa quantidade “ínfima” de arsênio dissolvido na água já seria suficiente para matar, em questão de horas ou dias, 10 milhões de pessoas, e para intoxicar, cronicamente, um número muito maior de pessoas em questão de anos ou décadas de exposição (para matar um ser humano adulto em questão de horas ou dias, bastam cerca de 140 a 180 miligramas de arsênio inorgânico. Quantidades muito menores – da ordem de milionésimos do grama – se ingeridas ou aspiradas ao longo de meses ou anos, podem causar uma série de doenças incluindo câncer, doenças vasculares, diabetes, doenças neurológicas, imunodeficiência, etc.). Esses números já são assustadores, mas representam um valor subestimado. Um estudo publicado pela Kinross, em colaboração com o CETEM-Centro de Tecnologia Mineral informa que apenas 30% do arsênio é recuperado pelo processo de hidrometalurgia utilizado pela Kinross (Monte MBM, Lins FF, Dutra AJB, Albuquerque CRF, Tondo LA. The influence of the oxidation state of pyrite and arsenopyrite on the flotation of an auriferous sulphide ore. CT2002-195-00 Comunicação técnica elaborada para o periódico Minerals Engineering. CETEM-Centro de Tecnologia Mineral, MCT-Ministério da Ciência e Tecnologia, Coordenação de Inovação Técnológica - CTEC, Rio de Janeiro, Dezembro/2002. O Sr. Luis Albano Tondo, funcionário da RPM-Kinross há muitos anos, é co-autor desse artigo). Esse estudo indica que o processo de hidrometalurgia utilizado pela mineradora em Paracatu não é capaz de recuperar todo o arsênio tóxico que ela libera do minério arsenopirita. O concentrado gravitado de ouro possui uma composição média de 58,3 gramas de ouro por tonelada, 15,2% de ferro (Fe), 21,9% de enxofre (S) e 11% de arsênio (As), sempre conforme o estudo publicado pela Kinross em conjunto com o CETEM. Enquanto a recuperação média de ouro no circuito da hidrometalurgia varia de 40% a 80%, a recuperação máxima do arsênio é de apenas 30%, informa o estudo já citado. Isso quer dizer que 70% ou mais do arsênio – equivalente a 105 milhões de toneladas – não são recuperados, segundo o estudo. A baixa taxa de flotabilidade da arsenopirita pode ser atribuída à formação de espécies de óxidos de ferro sobre a superfície do sulfeto ou arsenopirita. A reação do oxigênio com a superfície da arsenopirita é rápida e muito facilitada, e produz espécies altamente tóxicas de óxidos de arsênio, certamente as espécies que a Kinross chama de “arsênio perigoso” (fl. 318 da ACP). O uso de nitrogênio no lugar do oxigênio na função de gás para flotação pode aumentar a recuperação do arsênio, porém a própria Kinross reconhece e afirma e sabe que a recuperação do arsênio não é completa. Isso significa que o arsênio originalmente presente na arsenopirita, incluindo compostos mais tóxicos que a própria arsenopirita, é deliberadamente descartado junto com os rejeitos, tanto nos tanques específicos quanto na lagoa de rejeitos. Prova disso é que a Kinross afirma que parte do arsênio descartado fica dissolvido na água – cerca de 1,8 toneladas (nota de rodapé da folha 318 da ACP). As quantidades de arsênio liberado admitidas pela Kinross e estimadas a partir dos dados e estudos fornecidos pela própria Kinross é assustadora e constituem evidência de poluição grave e persistente. A afirmação da Kinross de que parte do arsênio liberado da rocha e descartado na lagoa de rejeitos “permanece estável nos rejeitos, da mesma forma como estavam na mina” (nota de rodapé da folha 318 da ACP) é falaciosa. Na mina, o arsênio encontrava-se solidamente cimentado em rochas duras que datam do período proterozóico, enquanto que nos rejeitos o arsênio encontra-se finamente moído e disperso em uma bacia sedimentar terciária artificial aplainada, sob efeito da drenagem ácida. Em outras palavras, a Kinross está liberando da rocha um veneno que levou bilhões de anos para ser cimentado pela natureza numa época da história natural da Terra em que só existiam formas primitivas de organismos, como proto-bactérias que conseguiam sobreviver em meio ao arsênio. A Kinross quer que os “rejeitos permaneçam estáveis, da mesma forma como estavam na mina”. Quanta pretensão, igualar um processo que durou entre centenas de milhões de anos a bilhões de anos, e um processo que dura poucos dias, meses, décadas ou anos! Na ACP, a Kinross evita discorrer sobre a liberação de arsênio na poeira fugitiva da mina. Em seu “Relatório de Desenvolvimento Sustentável” de 2003, a ré mostrava que a quantidade de arsênio na "poeira fugitiva" da sua mina de ouro a céu aberto em Paracatu aumentou de 3,42 kg em 2001, para 5,79 kg em 2002, e para 6,10 kg em 2003 (Rio Paracatu Mineração SA. Relatório de Desenvolvimento Sustentável de 2003, página 14). Esse relatório não deixa dúvida nem sobre a fonte nem sobre a autoria desta poluição. Inexplicavelmente, a Kinross evita informar a quantidade de arsênio que ela está liberando anualmente na forma de poeira. Na fase atual do empreendimento chamada “projeto de expansão III”, iniciado em 2007, a Kinross processará cerca de 1 bilhão de toneladas de minério, volume que é cerca de três vezes maior que o volume de minério processado antes da expansão. Fazendo-se uma regra de três simples a partir do último dado disponível de 2003, pode-se estimar uma liberação anual de cerca de 18 kg de arsênio para a atmosfera, na forma de material particulado (poeira). Como não existe diferença entre as vias de absorção no que diz respeito à toxicidade do arsênio (Smith AH, Ercumen A, Yuan Y, Steinmaus CM. 2009. Increased lung cancer risks are similar whether arsenic is ingested or inhaled. Journal of Exposure Science and Environmental Epidemiology 19, 343–348), pode-se afirmar que apenas essa quantidade de arsênio que é liberada na forma de poeira é suficiente para intoxicar 100 mil pessoas, equivalente a toda a população de Paracatu.

Continue lendo a reportagem:

http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-ii.html

http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-iii.html
http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/05/o-tesouro-venonoso-de-paracatu-parte-iv.html

O tesouro venenoso de Paracatu: Prefácio à tradução

Prefácio à tradução (1), por Sergio Ulhoa Dani


Quando Thomas Fischermann contou-me que gostaria de fazer uma reportagem sobre a corrupção no Brasil, eu sugeri que visitasse Paracatu. A corrupção parece explicar como e porque, em pleno século 21, ainda se permite a operação de uma mina de ouro e arsênio em um território urbano habitado por 80 mil pessoas, nas cabeceiras de uma das mais importantes bacias hidrográficas de um país de dimensões continentais como o Brasil.

Pagamentos facilitadores, ganância fútil, ignorância útil e violência de toda sorte são os elementos corrompedores de que a mineradora canadense Kinross Gold Corporation tem se valido para perpretar um verdadeiro e persistente genocídio em Paracatu e região. A Kinross montou uma rede de apoio constituída de empresários, políticos, órgãos e agências governamentais canadenses e brasileiras, mídia, juízes, polícia, ministério público, até certas ONGs ambientalistas.

O empreendimento mortífero da Kinross em Paracatu tem alcance internacional, seja porque financiado e apoiado pelo governo canadense, seja porque instrumentalizado por empresas transnacionais como Caterpillar/Bucyrus, Siemens, DuPont, seja porque uma fração das centenas de milhares de toneladas de arsênio liberadas da rocha dura pela mineração da Kinross em Paracatu espalha-se pelo mundo através do ar, da água e da cadeia alimentar, atualmente e durante os próximos séculos, causando desequilíbrios ambientais, pobreza, doenças e sofrimento humano.  

A publicação dessa reportagem altamente interessante no jornal alemão Die Zeit, assinada por esse jornalista premiado, Thomas Fischermann, ilustrada com fotos de tirar o fôlego do também premiado fotógrafo Giorgio Palmera contribui para o esclarecimento da opinião pública internacional sobre a corrupção envolvida na mineração de ouro e o drama de vida e morte das pessoas afetadas pela destruição do ambiente e a intoxicação crônica pelo arsênio.

Antes e durante sua visita a Paracatu, Fischermann e Palmera contaram com a colaboração de inúmeras pessoas, muitas das quais são citadas nominalmente na reportagem. Essas pessoas nunca foram ouvidas nos processos de tomada de decisão que afetam diretamente sua própria vida.  A reportagem de Fischerman contribui para corrigir essa injustiça. Infelizmente, uma dessas pessoas faleceu antes de ver a reportagem publicada, e lamentamos profundamente a morte desse amigo e colaborador, e a falta que ele fará: Martin Wilhelm Kühne.

Na tradução da reportagem que preparei a seguir, incluí algumas notas de tradutor a título de esclarecimento sobre aspectos idiomáticos, sócio-ambientais e científicos.

Bremen, primavera de 2014
LD Dr.med. DSc. Sergio Ulhoa Dani


Notas do tradutor:


(1) Der giftige Schatz von Paracatu. Von Thomas Fischermann, mit Bilder von Giorgio Palmera. Die Zeit Nr. 13, 20. März 2014, Wirtschaft/Seiten 30-31. Hamburg, Deutschland. Versão online publicada 28.03.2014: http://www.zeit.de/2014/13/goldmine-paracatu-brasilien-rohstoff  . Die Zeit (pronúnica alemã: [diː ˈtsaɪt], literalmente “O Tempo”) é um jornal alemão semanal respeitado por sua qualidade jornalística. Com uma tiragem de 504.072 no segundo semestre de 2012 e mais de 2 milhões de leitores, Die Zeit é o jornal semanal mais amplamente lido na Alemanha.

Leia a reportagem, por partes:

http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/03/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-i.html http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-ii.html http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-iii.html
http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/05/o-tesouro-venonoso-de-paracatu-parte-iv.html

quinta-feira, 20 de março de 2014

Publicada na Alemanha reportagem sobre tesouro venenoso

O jornal alemão Die Zeit (1) publicou hoje uma reportagem intitulada ‘O Tesouro Venenoso de Paracatu’ (2).  A reportagem vem assinada pelo premiado jornalista alemão Thomas Fischermann, ilustrada com fotos do também premiado fotógrafo italiano Giorgio Palmera.

Fischermann descreve o drama de vida e morte enfrentado pelos 80 mil habitantes da cidade de Paracatu, tornados reféns da mineradora canadense Kinross Gold Corporation (TSE-K; NYSE-KGC). 

Operadora da maior e mais venenosa mina de ouro a céu aberto da América latina, a Kinross destrói o ambiente, expulsa moradores e libera centenas de milhares de toneladas do venenoso arsênio para o ambiente, quantidade suficiente para causar um verdadeiro e persistente genocídio.

A tradução da reportagem para o idioma português será publicada em capítulos, nas próximas edições do www.alertaparacatu.blogspot.com. Não perca!


Referências:

(1) Die Zeit (pronúnica alemã: [diː ˈtsaɪt], literalmente “O Tempo”) é um jornal alemão semanal respeitado por sua qualidade jornalística. Com uma tiragem de 504.072 no segundo semestre de 2012 e mais de 2 milhões de leitores, Die Zeit é o jornal semanal mais amplamente lido na Alemanha.


(2) Der giftige Schatz von Paracatu. Von Thomas Fischermann, mit Bilder von Giorgio Palmera. DIE ZEIT Nr. 13, 20. März 2014, Wirtschaft/Seiten 30-31. Hamburg, Deutschland.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Cadê o estudo epidemiológico?


Por Sergio Ulhoa Dani, de Bremen, Alemanha.

Uma audiência pública foi realizada ‘de surpresa’ ontem, dia 18.03.2014 na Câmara Municipal de Paracatu, MG, Brasil. Na pauta: ‘apresentação de um estudo epidemiológico sobre contaminação por arsênio’.

‘Para um estudo epidemiológico num território habitado, parece que faltou incluir pessoas’, comentou Serrano Neves, ao ler uma nota que circula na internet sobre o teor (ou falta de teor?) da audiência.

Já se vão mais de 5 anos desde que solicitamos – mediante um pedido administrativo e uma Ação Civil Pública – a realização de um estudo epidemiológico clínico-laboratorial da intoxicação crônica da população pelo arsênio e outros venenos liberados pela mineradora canadense Kinross Gold Corporation (TSE-K; NYSE-KGC) na cidade de Paracatu e região.

Esse tempo é demasiado longo para um desenlace tão exdrúxulo e pífio. Isso foi o melhor que puderam fazer com o tempo e o dinheiro público investido? Um estudo envolvendo milhares de pessoas sob risco de intoxicação crônica por arsênio com sérias consequências à saúde não pode ser tratado com negligência.

Por que usaram equipamentos e medições ambientais da própria empresa poluidora, a Kinross?

Qual a metodologia clínico-laboratorial e epidemiológica utilizada para refutar a hipótese nula: nenhuma intoxicação crônica da população?

Qual o número mínimo de pacientes recrutados e efetivamente examinados?

Que grupos-controles foram utilizados?

Onde estão os resultados preliminares, usando metodologia adequada?

Onde estão as medidas de morbimortalidade relacionada ao arsênio no compartimento humano?

Qual é a incidência e prevalência da arsenicose e suas manifestações em Paracatu?

O estudo foi submetido a uma revista especializada com corpo editorial, ou publicado?

Foros adequados para discussão de estudos científicos são os congressos, as revistas científicas com corpo editorial e a correspondência entre cientistas. O julgamento do mérito de um estudo é atribuição dos pares científicos, não dos políticos.

Como costuma acontecer em ‘audiências’ políticas sobre assuntos científicos, também essa ‘audiência surpresa’ parece ter atingido um objetivo: confundir e esquivar, em vez de enfrentar e esclarecer.

Uma coisa é certa: ‘a ausência da prova não é prova da ausência’.