Sergio U. Dani, de Berna, Suíça
Numa tarde de quinta-feira, dia 11 de junho de 2015, a mais indesejável das gentes levou o Edvaldo Guimarães, o ‘Ed Guimarães’, aos 51 anos de idade, no auge de sua carreira de locutor de rádio e TV. A reação natural de alguns dos seus amigos e simpatizantes foi homenageá-lo com a lembrança das suas qualidades de comunicador, do seu sucesso empresarial e dos seus serviços prestados à comunidade. Para outros, o legado de Ed Guimarães também merece ser lembrado por razões menos nobres, consequências nefastas e uma dura lição de vida.
Ed Guimarães não foi propriamente um jornalista, como alguns imaginam. Seu trabalho de locutor de rádio e TV foi eminentemente de relações públicas nos mundos da polícia, da política e das empresas. Ao chegar em Paracatu, ele logo viria a se transformar em um porta-voz dos detentores dos poderes locais constituídos, especialmente os que podiam pagar por seus competentes serviços de comunicador. Nessa condição ele construiu a sua própria imagem de homem poderoso da comunicação, perante uma audiência constituída, majoritariamente, de pessoas culturamente iletradas, economicamente excluídas, politicamente desamparadas, psicologicamente atemorizadas e socialmente oprimidas. Um dos seus colegas de rádio e TV lembrou como Ed Guimarães costumava dirigir-se, em tom irônico, aos mais fracos, e aos oponentes dos poderosos a quem servia, muitas vezes sem poupar um sorriso ou uma piada.
Talvez quem mais se serviu das habilidades do Ed Guimarães tenha sido a mineradora transnacional canadense, RPM-Kinross, que desde o final da década de 1980 explora ouro na mina a céu aberto de Paracatu, com consequencias desastrosas para o ambiente, a saúde e a economia popular. Ninguém disputou com Ed Guimarães a posição de maior operador da intensa propaganda dessa mineradora. Os eixos da propaganda eram repetir a mentira da geração de riqueza e prosperidade social de Paracatu e região pela mineração; negar ou ocultar as verdades da contaminação ambiental da cidade e região pelo arsênio liberado pela mineração e seus efeitos nefastos, como o câncer; e combater os opositores com as armas da calúnia, da desqualificação, da ironia e da desmoralização. Ed Guimarães serviu a esta propaganda da Kinross em seus programas de rádio e TV, em cerimônias de todo tipo, e até em manifestações de rua. Quem não se lembra da carreata da Kinross e suas empreiteiras contra o projeto de Lei das Águas, que ocupou as ruas de Paracatu com veículos pesados, aos 4 de maio de 2009, animada pelo Ed Guimarães, montado na boléia de um caminhão, empunhando seu microfone? A alegoria daquele momento representou bem alguns dos elementos marcantes da sua ação em Paracatu.
Lembro-me também de um dos programas do FM Reporter da Rádio Boa Vista FM que foi ao ar poucos dias antes daquela carreata, dia 29 de abril de 2009. No programa, o Ed Guimarães afirmara que eu teria cometido um ‘crime ambiental’ na Reserva do Acangau. Imediatamente solicitei meu direito de resposta ao Humberto Neiva, que foi concedido. Ao concluir minha resposta, declarei, ao vivo, no programa FM Reporter do Ed Guimarães, que eu não seria julgado por um locutor de rádio. A acusação leviana de ‘crime ambiental’ serviu apenas aos objetivos da Kinross de desqualificar-me como um dos seus mais qualificados opositores, e desviar o foco da catástrofe ambiental em larga escala e o verdadeiro genocídio culposo que a própria Kinross opera em Paracatu.
Em 2014, o diagnóstico de câncer surpreendeu o Ed Guimarães. Pouco tempo depois, esse câncer o matou, mas não sem antes ter operado nele uma mudança fundamental. Num dos seus últimos programas de rádio, o que foi ao ar em 21 de março de 2015, Ed Guimarães entrevistou o geólogo e professor Márcio Santos sobre a contaminação ambiental pelo arsênio liberado pela Kinross em Paracatu. Neste programa, Ed Guimarães foi capaz de uma atitude nobre, que eu gostaria de relembrar aqui, em seu louvor post mortem.
Ciente de sua condenação à morte pelo câncer incurável que ele já não escondia dos seus ouvintes, e diante da evidência da contaminação ambiental pelo arsênio e o aumento do número de casos de câncer em Paracatu, Ed Guimarães tomou a atitude correta. Pediu à Prefeitura de Paracatu que fizesse um levantamento minucioso dos casos de câncer na cidade, visando esclarecer sua relação com a contaminação crônica pelo arsênio. Desarmou com a dúvida aqueles que afirmavam com certeza que não haveria aumento da incidência de câncer em Paracatu atribuível ao arsênio. Exemplificou com seu próprio caso que, como tantos outros, não teria sido lançado nas estatísticas de câncer do município, pois estaria sendo tratado em São Paulo. Na situação pessoal dramática que ele vivia, vendo aproximar-se a morte inexorável, penso que essa sua atitude de abraçar a causa foi mais que um ‘abraço dos desesperados’. Ela foi uma atitude genuinamente humana, livre, justa e solidária. Nem todos os que têm a consciência da perda da própria saúde e da própria vida são capazes de avaliar o significado da saúde e da vida dos seus semelhantes.
A dura lição de vida de que falei no início, ilustrada na biografia do Ed Guimarães, é certamente esta: a ocultação da verdade, a qualquer título, pode ter consequências fatais.
Minhas sinceras condolências à família do Ed Guimarães e de todas as vítimas da ocultação da verdade em Paracatu.
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