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sábado, 26 de setembro de 2015

Contribuição à Audiência Pública de 25 de setembro de 2015 em Belo Horizonte MG

Audiência Pública, sexta-feira, 25/09/2015, de 10h as 12h00, na Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania/SEDPAC, em Belo Horizonte, MG

Contribuição de Sergio Ulhoa Dani, médico do Departamento de Oncologia Médica do Inselspital da Universidade de Berna, Suíça; Presidente da Fundação Acangau e do Instituto Medawar de Pesquisa Médica e Ambiental de Paracatu-MG, Brasil

Eu gostaria de agradecer o convite de participar desta Audiência Pública e dar meu depoimento sobre a intoxicação crônica da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela mineração a céu aberto na cidade. Farei uma breve exposição do ponto de vista médico-legal da intoxicação e das consequências para a questão dos direitos humanos. Em razão de encontrar-me no exterior, faço minha contribuição por escrito.

O arsênio liberado pela mineradora RPM-Kinross das rochas da mina de ouro  a céu aberto em Paracatu está na forma inorgânica. Muito antes do início da mineração em Paracatu, já se sabia, no Brasil e no mundo, que a forma inorgânica do arsênio é a mais tóxica. A intoxicação de seres humanos pelo arsênio liberado pela mineração de metais já era de conhecimento público em diversos países do mundo, inclusive o Reino Unido e o Canadá, países de origem da mineradora RPM-Kinross e seus investidores. Esses fatos importantes foram simplesmente omitidos dos relatórios de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentados pela mineradora para embasar o licenciamento de suas atividades no perímetro urbano de Paracatu. Então, não foi por falta do conhecimento científico que essa mineração e sua expansão foram autorizadas pelos órgãos ambientais federais, estaduais e municipais, e sim pela sua ocultação deliberada. 

A mineradora transnacional canadense Kinross Gold Corporation constituiu uma rede de apoio incluindo empresários, políticos, órgãos e agências governamentais canadenses e brasileiras, mídia, juízes, polícia, Ministério Público Estadual e certas ONGs. Através dessa rede de apoio ela obteveem pleno século 21, as permissões para operar uma mina de ouro e arsênio em um território urbano habitado por 90 mil pessoas, nas cabeceiras de uma das mais importantes bacias hidrográficas de um país de dimensões continentais como o Brasil. Pagamentos facilitadores, ganância fútil, ignorância útil e violência de toda sorte são os elementos corrompedores de que a Kinross Gold Corporation tem se valido para perpretar um verdadeiro e persistente genocídio em Paracatu e região. 

Em 2007, fui procurado por um representante do Ministério Público Estadual de Minas Gerais em Paracatu, para preparar um relatório independente sobre o processo de expansão da mina de ouro de Paracatu, que já estava em andamento. Meu relatório foi o primeiro a trazer o problema do arsênio à tona. O relatório foi entregue ao Ministério Público Estadual, à FEAM-Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais, e também foi publicado em um jornal local de Paracatu. Minha recomendação foi pelo não licenciamento e pela indenização dos danos que já haviam sido causados pela mineração. Em seguida, entramos com um pedido administrativo junto à Prefeitura Municipal de Paracatu. Entretanto, nem o Ministério Público Estadual, nem a FEAM, nem a Prefeitura Municipal de Paracatu tomaram as providências cabíveis.

Em 2009, a Fundação Acangau propos uma Ação Civil Pública de precaução contra a Kinross e a Prefeitura Municipal de Paracatu, com pedido de liminar. Nesta ACP, indicamos os graves riscos da contaminação ambiental permanente e a intoxicação crônica da população de Paracatu e região pelo arsênio liberado pela mineradora. Pedimos, no bojo desta ACP, a realização de um estudo epidemiológico clínico-laboratorial da intoxicação crônica da população de Paracatu pelo arsênio liberado ao ambiente pela mineradora Kinross, e a paralisação imediata das atividades nocivas, bem como o tratamento da população atingida e a indenização dos danos causados.

Até hoje, nenhum desses pedidos foi satisfeito. Em vez disso, tentaram encerrar a ação, logo em 2009. Recorremos ao Tribunal em Belo Horizonte, que decidiu pelo prosseguimento da ação. Infelizmente, essa decisão teve pouco efeito, pois o Ministério Público de Minas Gerais posicionou-se contra o prosseguimento da ação, e o magistrado decidiu pela suspensão da mesma. 

Em vista da negligência com que as autoridades municipais e estaduais tratam do assunto, sempre favorecendo a mineradora, em prejuízo ao ambiente e à saúde da população, levamos o caso de Paracatu para a esfera federal. Em março de 2010, conseguimos a inclusão de Paracatu no mapa oficial de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil, preparado pela Fiocruz-Fundação Oswaldo Cruz e pela FASE-Fundação de Atendimento Sócio-Educativo, com o apoio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. Paracatu foi incluída neste mapa por causa das graves consequências da extração de ouro a céu aberto na cidade: poluição ambiental grave e persistente, exposição crônica da população ao arsênio e outras substâncias tóxicas, destruição de nascentes de água potável e expulsão de comunidades tradicionais, entre outras injustiças. 

Em 2011, o Conselho Nacional de Defesa da Pessoa Humana (CDDPH) admitiu a causa de envenenamento crônico da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela mineração de ouro a céu aberto. Neste mesmo ano de 2011, um estudo financiado pela própria mineradora Kinross foi publicado em uma revista científica de circulação internacional, indicando que uma fração do arsênio que a mineradora libera em Paracatu está bioacessível. Isso significa que a mineradora tem conhecimento que o arsênio que ela libera para o ambiente em Paracatu e região é assimilável pelos seres vivos, inclusive o ser humano. Um estudo conduzido por uma equipe do Departamento de Química da UFMG-Universidade Federal de Minas Gerais e publicado, em meados de 2015, em uma revista científica de circulação internacional, comprovou que o arsênio inorgânico liberado em Paracatu já passou para a cadeia alimentar, consubstanciando os resultados do estudo financiado pela própria mineradora. 

Os resultados desses e outros estudos estão reunidos e comentados na ACP movida pela Fundação Acangau. Em 2014, portanto cinco anos após o ingresso desta ACP, a mineradora Kinross e a Prefeitura de Paracatu apresentaram um relatório grotesco e nocivo sobre a situação epidemiológica da intoxicação crônica da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross. Os problemas desse relatório, incluindo o fato de ter sido produzido pelo CETEM, um órgão do governo federal ligado à mineração e sem competência médica, a metodologia inadequada, a equipe desqualificada, o desconhecimento da literatura médica e científica, a falta de controles adequados, a falta de base confiável de dados, a análise de risco confusa e inconsistente, e as conclusões não suportadas pelos resultados foram denunciados pela nossa equipe, no bojo da ACP. Aparentemente, isso levou o Ministério Público e a Kinross a assinarem, neste ano de 2015, um aditamento a um acordo de 2011, em que as partes se comprometeram a “adotar todas as medidas necessárias para garantir a independência e a imparcialidade da equipe técnica” e o CETEM teria “assumido a obrigação de apresentar resultados válidos e que observem os procedimentos mais reconhecidos pela comunidade científica”. Nada deste acordo permite supor que os pedidos da ACP serão satisfeitos. 

O que temos visto em Paracatu são pessoas com alta concentração de arsênio no corpo, conforme comprovado por exames laboratoriais que as próprias pessoas estão custeando, e estão sendo realizados em laboratórios credenciados no Brasil e no exterior. O quadro da intoxicação crônica de Paracatu é grave, e não se pode falar em nível de segurança. Simplesmente não existe dose segura para uma substância cancerígena como o arsênio, e quanto maior a concentração de arsênio no corpo, maior é o risco de desenvolver câncer e um catálogo de outras doenças.

Essas conclusões estão bem fundamentadas pela evidência médica e científica, e estão bem documentadas na Ação Civil Pública movida pela Fundação Acangau contra a Kinross e a Prefeitura Municipal de Paracatu. A Kinross e certas autoridades que a apóiam desrespeitam os direitos humanos, incluindo o direito à vida, à saúde e ao ambiente ecologicamente equilibrado em Paracatu. A intoxicação crônica da população de Paracatu é um caso de genocídio culposo. Esse tipo de genocídio pode não gerar um processo criminal, mas certamente gera a obrigação de indenizar.

O empreendimento mortífero da Kinross em Paracatu tem alcance internacional, seja porque financiado e apoiado pelo governo canadense, seja porque instrumentalizado por empresas transnacionais como Caterpillar/Bucyrus, Siemens, DuPont, seja porque uma fração das centenas de milhares de toneladas de arsênio liberadas da rocha dura pela mineração da Kinross em Paracatu espalha-se pelo mundo através do ar, da água e da cadeia alimentar, atualmente e durante os próximos séculos, causando desequilíbrios ambientais, pobreza, doenças e sofrimento humano.  

Diante dos gigantescos danos ambientais e à saúde, torna-se fundamental exigir da mineradora e seus investidores, apoiadores e gestores, públicos e privados, mediante ações nas esferas pública e privada, caução, reparação e indenização comensuráveis. A contaminação ambiental persistente implica em milhares de vítimas, de várias gerações, ao longo de décadas ou séculos. O esforço de diagnosticar a intoxicação crônica dessas milhares de pessoas, fazer seu acompanhamento e tratamento, bem como indenizá-las adequadamente e constituir as fontes de renda perdidas é gigantesco. A colaboração internacional de médicos, cientistas e advogados, com apoio institucional, é uma estratégia para romper os monopólios e a corrupção que tendem a perpetuar o genocídio culposo de Paracatu. A pesquisa científica, médica, ambiental  e tecnológica, em colaboração internacional tem se mostrado fundamental para esclarecer e solucionar os problemas advindos da mineração de ouro a céu aberto em Paracatu. 

TV Globo suspende reportagem do ‘Fantástico’ sobre arsênio em Paracatu

A direção do programa ‘Fantástico’ da Rede Globo de televisão decidiu suspender a publicação da reportagem sobre a intoxicação crônica da população de Paracatu-MG pelo arsênio liberado pela mineração de ouro a céu aberto.

A reportagem foi gravada por uma equipe do ‘Fantástico’ que visitou Paracatu duas vezes este ano, entrevistou pessoas contaminadas por arsênio, médicos e um geólogo, e filmou a destruição ambiental operada pela mineradora transnacional canadense Kinross Gold Corporation. 

Diversas vítimas entrevistadas apresentam concentrações de arsênio na urina acima do nível tolerado pela legislação brasileira. Acima deste nível, o risco de diversas doenças, incluindo diabetes e hipertensão, está aumentado. Para o câncer, que constitui o principal risco da intoxicação lenta pelo arsênio, simplesmente não existe nível seguro, e o risco é diretamente proporcional à concentração do arsênio.

A equipe da TV Globo também entrevistou representantes da Kinross.

Questionada sobre o andamento da matéria, uma representante do ‘Fantástico’ informou que o material da reportagem está ‘guardado com todo o cuidado na TV, à espera de notícias do Ministério Público sobre os processos contra a mineradora Kinross’. 

Enquanto o Ministério Público e a Justiça não dão notícia, a TV Globo guarda ‘com cuidado’ a notícia de um genocídio lento operado pela Kinross em Paracatu, uma realidade desumana e ‘fantástica’.

Mineradora e Prefeitura de Paracatu são alvos de denúncia na Comissão de Direitos Humanos da ALMG

Ocultação de diagnósticos de câncer e ameaças à defensora de direitos humanos estão entre as denúncias. Prefeito nega.

A defensora de direitos humanos Rafaela Xavier Luiz esteve na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta sexta-feira (25/9/15) para denunciar ameaças sofridas em seu município, Paracatu (Noroeste de Minas). O prefeito e representantes da mineradora canadense Kinross, que explora ouro na cidade, estariam ameaçando sua vida após denúncias a respeito de danos à saúde da população, causados pelas atividades minerárias. O prefeito, Olavo Remigio Condé, negou as ameaças e citou estudos que refutam os supostos danos à saúde da população.

De acordo com Rafaela Luiz, as atividades da mineradora estariam liberando arsênio na atmosfera e nos rios. A substância seria tóxica e cancerígena. Ela afirmou que, para acobertar o problema, o hospital municipal estaria omitindo diagnósticos de câncer. Diante desse cenário, Rafaela afirmou que começou a auxiliar moradores a buscar apoio no hospital do município de Barretos (SP), onde ela é voluntária, ao mesmo tempo em que teria se utilizado dos jornais para conscientizar a população sobre os riscos.

Por toda essa atuação, Rafaela afirmou que estaria sendo perseguida. “Mandaram me demitir de cargos públicos. Cheguei a ser chamada ao gabinete do prefeito e ele me disse para eu ter cuidado, porque ele tem mais força que eu”, afirmou. Ela relatou, ainda, que teriam sido dados tiros em sua casa como forma de recado. Ela se mudou de Paracatu, segundo ela por medo das ameaças. Rafaela se emocionou em alguns momentos da sua fala.

O prefeito, Olavo Condé, por sua vez, foi enfático ao negar as ameaças. “Se a Rafaela fala com tanta convicção dessas ameaças, o que ela precisa é de tratamento psiquiátrico. Tenho certeza que nem eu nem o vice-prefeito fizemos nenhum tipo de ameaça a ela”, disse. Segundo ele, em 2012 o hospital de Barretos teria enviado um pedido de apoio financeiro à prefeitura, citando o atendimento de 48 pessoas provenientes do município, que teriam realizado 563 procedimentos. “E a Rafaela começou a divulgar que 563 pessoas estavam com câncer no município”, disse. Por isso, ele teria chamado Rafaela em seu gabinete, já que ela era funcionária comissionada da prefeitura, para dizer que ela estava divulgando informações erradas.

Fonte: Paracatunews

Para entender melhor o caso, clique e leia:

Acordo entre MP e Kinross reconhece a probabilidade da intoxicação crônica da população por arsênio liberado em Paracatu

Suposta contaminação por arsênio faz com que estudos continuem em Paracatu

A contaminação da urina por arsênio constitui indício de intoxicação

Minha resposta à Kinross

Os últimos 5 anos da Kinross na bolsa de Toronto

Proteste Já: má conduta de mineradora faz comunidade ser envenenada em Paracatu-MG

Custe o que custar em Paracatu

Publicado na revista ‘Ciência Hoje’ artigo sobre a intoxicação pelo arsênio em Paracatu

Unidade comove Paracatu

'Em relação ao arsênio, nós estamos controlados'

O tesouro venenoso de Paracatu: Prefácio à tradução