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quarta-feira, 6 de maio de 2009


Histórias mal contadas

Por Sergio Ulhoa Dani 

PRIMEIRA

Na década de 1980, a participação da mineradora transnacional Billiton na mina de ouro a céu aberto no perímetro urbano de Paracatu-MG, era de 13,5%. Antes disso, já tinha sido de 100%, passando para 49% com a entrada da sócia Rio Tinto, e depois caindo para 13,5%, com reserva de compra para voltar aos 49%, se investisse US$ 1 milhão.

Mas os gestores brasileiros da Billiton não tiveram interesse em recomprar a participação no negócio, e venderam a participação da Billiton para a Rio Tinto Zinco, por US $750 mil. Em 2006, a Rio Tinto vendeu 100% da mina em produção para a canadense Kinross, por US$ 280 milhões.

O geólogo Eupídio Reis Filho, em um artigo publicado no site www.geologo.com.br, surpreso com valores tão baixos pagos pelas participações em uma mina que tem a maior reserva de ouro do Brasil, avaliada em mais de 10 bilhões de dólares, pergunta: “O que aconteceu de errado? Como pôde a Billiton vender tão barato, e a Rio Tinto, após operar lucrativamente por 22 anos, fazer o mesmo erro? Quem está protegendo o acionista? Aonde estão os líderes destas empresas?” 

SEGUNDA

Wilson Nélio Brumer foi presidente da Vale do Rio Doce (1990-1992), enquanto ela ainda era uma empresa estatal. Em maio de 1997, a maior mineradora do mundo, a brasileira Vale do Rio Doce, foi a leilão; o governo FHC vendeu 41,73% das ações da empresa por R$ 3,34 bilhões. Após muitas denúncias e ações populares, a 5ª Turma do TRF (Tribunal Regional Federal), de Brasília, decidiu que a privatização da Vale passaria por uma perícia técnica para apurar se o valor foi subestimado. E foi.

Até os defensores da privatização da Vale, que argumentam que sem a privatização a empresa não teria dinheiro e gestão para tornar-se competitiva e lucrativa, concordam que a venda foi mal-feita, feita na época errada, e por um valor muito abaixo do real. 

Brumer, juntamente com Benjamim Steinbruch, foram apontados como responsáveis pela entrega ou “doação” da empresa ao capital estrangeiro. O jornalista J. Carneiro afirmou que Brumer, ex-presidente da Vale “estatal”, tentou de todas as maneiras ser o presidente da Vale "privatizada", e estaria coordenando a entrega de tudo à Billiton (ou à Genkor) numa operação final.

Em 1998, Wilson Brumer foi contratado como “chairman” do conselho de administração da Billiton, “para fazer novos negócios” como afirmou Sílvio Gouvêa, diretor financeiro da Billiton àquela época. Brumer serviu na BHP Billiton Brazil até 2002. 

TERCEIRA

O consórcio SEB (Southern Electric Brasil) é formado pelas empresas americanas AES e a Mirant (antiga Southern), e o banco Opportunity, de Daniel Dantas. A AES controla o consórcio, que deve US$1,2 bilhão ao BNDES-Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e Social relativos à privatização da Eletropaulo. A AES também deve US$ 700 milhões ao banco. A dívida corresponde a um empréstimo contraído para a compra de 33% da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), a empresa energética mais lucrativa do Brasil, em 1997, durante o governo de Eduardo Azeredo (PSDB).

O empréstimo do BNDES ao consórcio SEB foi usado para comprar a participação do próprio BNDES na Cemig. Na época, o valor do empréstimo correspondeu a US$ 526,5 milhões.

A venda da Cemig para o consórcio SEB foi conduzida pelo vice-governador Walfrido dos Mares Guia, com apoio do então presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros. O consórcio arrematou quase 33% das ações ordinárias da Cemig por R$ 1,13 bilhão. Metade do dinheiro seria paga em 12 meses sem juros e, a outra metade, em 10 anos, com financiamento do BNDES, que cobrava do consórcio juros de 3,5% ao ano.

Um negócio de pai para filho, escreveu José de Souza Castro, mas tem mais: antes de desembolsar qualquer dinheiro, os compradores receberam dividendos da Cemig, concedidos retroativamente, no valor de R$ 500 milhões.

Logo após assumir o governo mineiro em 1999, o ex-presidente da República Itamar Franco conseguiu na Justiça retirar dos acionistas privados o direito de veto no Conselho de Administração da Cemig. Atualmente, o consórcio SEB participa do conselho de administração, mas sem o direito de veto e de participar diretamente da gestão. Isso serviu de desculpa para alegarem que pagaram um preço alto pelas ações que têm agora e por isso não pagam o empréstimo do BNDES.

O valor do empréstimo foi provisionado integralmente pelo BNDES, ou seja, foi contabilizado como prejuízo em seu balanço financeiro. Os três sócios privados, entretanto, vêm recebendo regularmente os dividendos pagos pela Cemig. O que a AES, Mirant e Opportunity receberam em dividendos da Cemig já pagou a parte que esses sócios deveriam ter desembolsado para comprar sua participação na empresa energética.

O governo de Minas Gerais é o principal acionista e controlador da Cemig. O pagamento de dividendos pela Cemig foi estabelecido porque o governo sempre precisa de dinheiro para reforçar o seu caixa.

O BNDES poderia entrar na Justiça para recuperar a dinheiro e assumir as ações do consórcio liderado pela AES na Cemig, mas prefere entrar em acordo com os devedores. Mais um acordo "daqueles".

O presidente do Conselho de Administração da Cemig e secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Minas Gerais (2003-2007), Wilson Brumer, disse em 2007 que a questão deveria ser tratada no âmbito estritamente judicial. Ou seja, nada de envolvimento político, dessa vez. 

QUARTA

De 1992 a 1998, Wilson Brumer foi presidente da Acesita (Arcelor Mittal Inox Brasil). Enquanto presidente da Acesita, Brumer conduziu uma operação financeira desastrosa que endividou e travou a empresa. Como prêmio de consolação, ganhou a secretaria de governo de estado de desenvolvimento econômico de Minas Gerais, que ocupou entre 2003 e 2007. O Estado de Minas tem negócios em torno de R$ 3 bilhões anuais com a Acesita.

Em março de 2008, Brumer foi nomeado conselheiro da Usiminas pelo bloco de acionistas formado por Votorantim e Camargo Corrêa. Brumer aceitou a missão sabendo que, a partir de abril, seria indicado a presidente por esses mesmos acionistas, em substituição a Rinaldo Soares.

Segundo interlocutores de Brumer e executivos ligados à Usiminas, o acerto feito na contratação prévia que ele passasse a comparecer na empresa pelo menos três vezes por semana. Brumer entrou com as missões de mudar a estratégia da empresa e substituir o então presidente, Rinaldo Soares, que durante 18 anos havia consolidado, com mãos de ferro, a Usiminas como uma das empresas brasileiras mais valiosas, valorizadas e bem geridas do mercado, e uma das melhores relações custo/benefício na bolsa de valores.

Com uma produção de 8,8 milhões de toneladas de aço por ano, a Usiminas é a terceira maior do Brasil e a 29a do mundo, fatura 13 bilhões de reais e controla 16 outras empresas. Com a chegada de Brumer, já tem gente dizendo que “os tempos de calmaria realmente acabaram na Usiminas.” 

QUINTA

Em abril de 2009, a mineradora transnacional canadense, RPM/Kinross, única proprietária da mina de ouro de Paracatu (a mesma da PRIMEIRA história mal contada, acima), nomeia Wilson Brumer como diretor. A indicação de Brumer foi feita num momento crítico do projeto de expansão da mina de ouro da Kinross, que enfrenta forte resistência da comunidade de Paracatu, cidade de 90 mil habitantes na região noroeste do estado de Minas Gerais.

Em março, a Justiça Mineira e a Justiça Federal paralisaram o projeto de construção de uma gigantesca barragem de rejeitos da mineradora em Paracatu, acatando pedidos do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal.

A indicação de Brumer foi examinada durante o encontro anual geral da Kinross, dia 6 de maio próximo, em Toronto. O código de ética da Kinross contempla “pagamentos facilitadores” para autoridades locais, para facilitar o andamento dos negócios da empresa em países estrangeiros, e a contratação de Brumer garante à Kinross um lobby eficiente nos gabinetes de governo e nas mesas das negociações empresariais.

Mais de 60% das reservas provadas de ouro da Kinross no mundo estão na mina de Paracatu, e os investidores das bolsas de New York e Toronto levam isso em conta quando avaliam a mineradora transnacional. Trocando em graúdos, é Paracatu que, em grande parte, dá valor à Kinross.

Entretanto, o valor do gigantesco passivo sócio-ambiental gerado pela mineradora, agora reclamado pela comunidade de Paracatu, compete com o valor das reservas da mina, na balança do custo-benefício da mina. E acionista nenhum quer seu dinheiro enterrado em projetos que impliquem em destruição de capital.

Resta saber se o lobby de Brumer será para a Kinross continuar com o projeto de Paracatu, ou para passar o mico para frente, como fizeram a Billinton e a Rio Tinto, na primeira história mal contada onde tudo começou, e como fizeram os protagonistas das outras histórias que nunca parecem terminar.

Assim como nas outras histórias, a Billinton e a Rio Tinto não perderam nada. E a Kinross também não quer perder. Assim como nas outras histórias, quem corre o risco de pagar o mico é o povo.

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Sergio Ulhoa Dani
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