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domingo, 10 de julho de 2016

Carta aberta à população de Paracatu, 28 de junho de 2016

Reunião a portas fechadas revela novas provas da contaminação da população de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross e confirma a farsa dos seus apoiadores.

Aos 22 de março deste ano realizou-se uma reunião, a portas fechadas, na Prefeitura de Paracatu, para discutir um erro grosseiro do CETEM no levantamento sobre a contaminação da população pelo arsênio. Ao contrário do alarde feito na época da divulgação do relatório do CETEM, durante a audiência pública realizada na Câmara Municipal, em 18 de março de 2014, agora o público ficou de fora. As vítimas da intoxicação crônica pelo arsênio liberado pela mineradora Kinross sequer foram informadas desta reunião. Diante disso, sentimo-nos na obrigação de corrigir mais esse erro e denunciar essa postura anti-ética, que reforça a impressão de um conluio generalizado para defender os interesses da mineradora, em detrimento da saúde da população.

Nessa nova reunião a portas fechadas, os pesquisadores do CETEM, Instituto Evandro Chagas e Unicamp informaram que a “reanálise” dos dados apresentados na audiência pública de 2014 revelou que a média de contaminação por arsênio em Paracatu é de 15 μg/L (microgramas por litro) de urina, ou seja, quase cinco vezes o que eles mesmos haviam anunciado, e que na verdade existiriam, entre as cerca de 800 pessoas amostradas, 13 casos de contaminação por arsênio acima de 50 μg/L na urina, inclusive três pessoas teriam apresentado arsênio acima de 100 μg/l na urina: uma moradora do bairro Paracatuzinho e outros dois moradores do bairro Amoreiras. As outras pessoas que teriam apresentado concentração de arsênio na urina acima de 50 ug/l foram 2 moradores do bairro Paracatuzinho e 8 do bairro Amoreiras.

Parece que de nada adianta tudo o que afirmamos sobre os danos ambientais e os riscos à saúde provenientes da contaminação de Paracatu pelo arsênio liberado pela Kinross, nem mesmo adianta que esses danos estejam sendo verificados até pelas equipes de pesquisa ligadas à mineradora. Pior ainda, parece que não há interesse em resolver o problema por parte das pessoas do governo, seja da Prefeitura, do Ministério Público e da Justiça, o que lança sérias dúvidas sobre a eficácia de propormos ações na esfera judicial.

Vejam o caso de Mariana, em que o risco da catástrofe de ruptura das barragens foi denunciado pelos cientistas e engenheiros independentes, mas as autoridades não tomaram providência e preferiram prestigiar os relatórios da mineradora, até que o desastre aconteceu. O que estamos assistindo em Paracatu é uma situação semelhante. Desde 2007, estamos alertando a população e as autoridades com informação de boa qualidade. Como as autoridades ficaram inertes ou agiram a favor da mineradora e contra os interesses da população, tomamos medidas administrativas e judiciais, a partir de 2008. Infelizmente, até hoje, essas medidas não surtiram o efeito esperado, seja porque as autoridades não agem na tutela do objeto, seja porque não há interesse de agir.

Na reunião ocorrida em 22 de março próximo passado, a portas fechadas, os pesquisadores do CETEM, Instituto Evando Chagas e Unicamp confirmaram o que havíamos denunciado em seguida à divulgação do primeiro relatório do CETEM: que essa equipe de pesquisadores está alinhada com os interesses da mineradora. Essa equipe está andando em círculos, enrolando e enganando, e a mineradora vai ganhando tempo para continuar sua atividade minerária lucrativa e danosa. Cada dia ganho na enrolação e na mentira representa milhões de lucro para a mineradora e agravamento da intoxicação das pessoas.

Quanto tempo ainda teremos que aguardar, até que uma equipe competente e independente seja contratada para fazer um estudo epidemiológico clínico-laboratorial sério em Paracatu?

É escandaloso ter que ouvir dos pesquisadores contratados que alguns habitantes de Paracatu apresentaram de 50 a 100 microgramas de arsênio por litro de urina, uma concentração cerca de 20 vezes maior que a média anunciada por eles próprios em 2014, e nenhuma providência eficaz tenha sido tomada para impedir que a contaminação ambiental continue a avançar, e sem que seja dado o início imediato da recuperação ambiental obrigatória e o tratamento das vítimas da intoxicação crônica pelo arsênio. Em vez disso, eles se contentam em falar em “reanálise” e “níveis de segurança para arsênio”, como que a negligenciar o seu compromisso com a verdade científica e a sua obrigação de garantir a segurança, a saúde e a vida das pessoas. Quantas vezes será necessário repetir que não existe nível seguro para uma substância cancerígena como o arsênio?

As autoridades dos órgãos de governo continuam tratando a saúde pública alheias ao seu dever constitucional de proteger o meio ambiente e os seres humanos, sobrepondo os interesses de uma empresa aos interesses do povo.

Paracatu, 28 de junho de 2016.
Assinam:

Dr. Sergio Ulhoa Dani, médico, e  Márcio José dos Santos, geólogo.

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