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terça-feira, 10 de janeiro de 2012
A MISÉRIA DOURADA
A MISÉRIA DOURADA
por Serrano Neves em 10/01/2012
Em Paracatu-MG as pessoas andam pisando em ouro, ouro minerável pois a Kinross tem concessão até sob a superfície da zona urbana.
Em Paracatu-MG cerca de 47% da população é constituída por pobres e miseráveis que alimentam a ilusão de que a mineração de ouro lhes trará algum benefício.
A ilusão foi criada por Felisberto Caldeira Brant e José Rodrigues Frois quando, em 1744 comunicaram à coroa portuguesa a descoberta das minas de ouro no Vale do Paracatu.
Conheci Paracatu na década de 1950 e as lembranças não me autorizam a dizer que a pobreza e a miséria eram menores do que hoje: 268 anos pisando em ouro e nada mudou para essa gente.
A única diferença é que em 1950 a pobreza e a miséria tinham dignidade: o alimento não faltava porque o socorro estava sob os pés e o garimpo artesanal de sobrevivência provia preciosas gramas de ouro e o chefe de família não precisava pedir ajuda.
Os pobres e os miseráveis de hoje também não precisam pedir ajuda pois são "assistidos pelo governo", mas essa assistência tem o preço da dignidade.
Cesta básica, bolsa escola, bolsa família, casa própria etc, isto existe em todos os cantos do Brasil, qual seja: não é fruto do ouro, é fruto do processo de cassação da dignidade do cidadão.
Parece que o processo de indignificação do cidadão paracatuense foi delegado para a Kinross, dada a sua história em perseguir quem, por pobreza ou miséria, garimpa para a sobrevivência por não querer se tornar um indignificado assistido pelo governo.
Mais um: Robson Ferreira da Silva, morador do quilombo São Domingos, foi preso por estar garimpando a sobrevivência.
Robson é descendente dos escravos que, de ferramenta na mão e chicote no lombo, extrairam montanhas de ouro para enriquecimento dos senhores da época.
Do ouro que seus ancestrais escravos extrairam sobrou para Robson ser um quilombola, uma espécie de etnia - qual os indígenas - que só não foi extinta pela perversidade dos poderosos porque a Constituição os protegeu. Protegeu do chicote do feitor e do relho do senhor, mas preservou os lombos expostos para receber o suplício da pobreza, da miséria e da indignificação.
Robson agora está submetido ao suplício da "justiça" porque, não conseguindo produzir para comer colocou a mão no ouro, o ouro que o sangue de seus ancestrais regou para que os poderosos enriquecessem, o ouro que desde 1744 é entregue para os estrangeiros que pagam minguados reais pelo privilégio da extração.
Sobra para a pobreza, a miséria e a indignificação dos paracatuenses a ilusão de que terão emprego ou renda à custa da mineração.
Sobra para a pobreza, a miséria autoindignificar-se mendigando "cumprimento das responsabilidades sociais" tal qual se pede à "mãe" o alimento e ao "pai" o provimento.
Sobra ficarem acuados na sombra da "assistência governamental" para não correm o risco de garimpar para a sobrevivência e irem parar na cadeia.
Ouro debaixo dos pés, ilusão dentro da cabeça e o lombo lanhado pela chibata da indignificação.
O Brasil do governo vai bem, apenas o Brasil do povo é que vai mal.
Fazendo de suas palavras as minhas palavras de indignação, assino embaixo.
ResponderExcluirWCR
A culpa não é da empresa que hoje funciona em nosso município, e sim dos nossos governos passados e atuais. Que querem ao máximo, arrancar impostos maiores dessas empresas sem pensar na consequência ambientais e sociais que pode acarretar.
ResponderExcluirPrezado Anônimo, com certeza o governo é cúmplice nas consequências danosas.
ResponderExcluirA grande pergunta agora é o que que o povo de Paracatu vai fazer ao respeito aos impatos? Quais mudanças nas vidas e culturas deles vai fazer a mineradora?
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