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segunda-feira, 27 de julho de 2009

(OR)AÇÃO POR BANGLADESH


(OR)AÇÃO POR BANGLADESH
Geocentelha 086

Belo Horizonte, 25 de outubro de 1999

Edézio Teixeira de Carvalho
Ex-Diretor do Instituto de Geo-Ciências da UFMG

“Assisti há dias a reportagem de televisão sobre o mais grave problema ambiental afetando a saúde humana de que já tive notícia. A jornalista solicitou ao médico sanitarista uma comparação com tragédias conhecidas, como a de Chernobyl (radioatividade), a de Bhopal na Índia (gases tóxicos) e a de Minamata no Japão (contaminação por mercúrio). Respondeu ele que tais tragédias, todas provocadas por ações humanas, eram comparativamente insignificantes. Não obstante os avisos sobre a sinistra presença de arsênio em alguns poços, a água continuou a ser usada, até que terrível e mortal forma de câncer começou a atingir pessoas de todas as idades. Sem responsável participação geológica na solução, a saúde de milhões de pessoas continuará em risco e a economia do país totalmente comprometida.”

O país tem 140.000 km2 de área e mais de 120 milhões de habitantes. Sua marca fisiográfica é o delta do sistema Ganges-Brahmaputra, construído à custa da escavação dos respectivos vales no Tibete, Nepal e Índia. Os temporais das monções são violentos e já mataram milhões de habitantes (num episódio de 1970 estimativas davam conta de 600.000 óbitos). É impossível manter condições sanitárias toleráveis, porque a água está por todo lado, nos distributários do delta, nos pântanos, lagos, lagunas e muitas vezes a menos de 1m da superfície; assim praticamente inexiste solo aerado que possa absorver a contaminação dos dejetos humanos e dos animais antes que retorne a um corpo superficial de água. Malária, cólera e doenças do trato intestinal dominam o quadro da saúde infantil principalmente. O país é pouco urbanizado e isso constitui fator limitante da eficácia de medidas sanitárias centralizadas.

A plataforma geológica é instável, pela geodinâmica interna, sujeita a terremotos, embora sem atividade intensa, e principalmente pela externa, que muda a geografia local nos temporais, quando mar, Ganges, Brahmaputra, ventos e chuva entram em conflito de proporções colossais.

Com indicadores sócio-econômicos dos mais precários, não precisava de mais nada para ser considerado país refratário à construção de nação próspera. Não precisava, mas tem. Assisti há dias a reportagem de televisão sobre o mais grave problema ambiental afetando a saúde humana de que já tive notícia. A jornalista solicitou a médico sanitarista uma comparação com tragédias conhecidas, como a de Chernobyl (radioatividade), a de Bhopal na Índia (gases tóxicos) e a de Minamata no Japão (contaminação por mercúrio). Respondeu ele que tais tragédias, todas provocadas por ações humanas, eram comparativamente insignificantes.

Para evitar o consumo de águas superficiais contaminadas, o UNICEF coordenara programa de execução de poços para o abastecimento. Um milhão deles foram executados, e mais 3 milhões diretamente pela população. Não obstante os avisos sobre a sinistra presença de arsênio em alguns poços, a água continuou a ser usada, até que terrível e mortal forma de câncer começou a atingir pessoas de todas as idades. O UNICEF determinou a execução de testes sistemáticos nos poços, e, por impossibilidade de lacrá-los imediatamente, pintou de vermelho os contaminados. Determinou também a execução de 5.000 poços profundos. A jornalista perguntou a uma mulher que retirava água de um poço antigo por que não fervia a água superficial disponível. A mulher respondeu que não tinha lenha. Obviamente não tem Bangladesh capacidade hospitalar para tratar as pessoas (o que não surpreende, quando a própria Europa não dá conta de tratar todas as crianças de Chernobyl).

Se os testes levarem à condenação e fechamento de 50% dos poços, serão dois milhões de poços perdidos, que terão de ser substituídos por poços profundos, para cuja execução, que implicaria investimento em redes de distribuição, a reportagem mostra que os meios são precários.

A geologia pode contribuir das seguintes maneiras: 1) Estudando amostras de sondagens e registros geofísicos adequados, de modo a identificar as camadas portadoras de arsênio; 2) com esses dados e outros obtidos de mapeamento, determinando as correlações que os vinculam à área fonte do perigoso elemento, nas bacias do Ganges e Brahmaputra ou de um deles; 3) em seguida verificando se essas áreas ainda estão contribuindo com o aporte de arsênio através da erosão. De resultados dessa investigação, será possível determinar, em cada novo poço, os intervalos que devem ser isolados, evitando que a água contaminada contamine a água pura de outras camadas. Provavelmente todos os poços contaminados terão de ser desativados e tamponados, cimentados do fundo até a boca para evitar que sirvam de via de contaminação.

Se tal serviço não for feito, a execução de novos poços rasos será baseada no método(?) de tentativa e erro, ou então os sedimentos mais superficiais serão descartados de plano, eliminando possibilidade real de resolver a custo mais baixo o problema do suprimento. Não conheço as condições geológicas específicas de jazimento do arsênio nas possíveis áreas-fontes e no próprio delta, mas estou certo de que, sem responsável participação geológica na solução, a saúde de milhões de pessoas continuará em risco e a economia do país totalmente comprometida.

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