*Santos Rios: Paracatu (*)*
"Os rios são nossos irmãos. O que acontece a eles, acontecerá também a nós.
Há uma ligação em tudo." Assim se dirigiu um chefe Seattle ao presidente dos
Estados Unidos, nos tempos da corrida do ouro no oeste americano. O espírito
do chefe nos rodeia, perturbado e descontente. Os rios, nossos irmãos, estão
morrendo por causa do ouro e da falta de quem os acuda. E quem irá nos
acudir? Porque nós também estamos morrendo por causa do ouro e da falta de
quem nos acuda. Porque há uma ligação em tudo.
Olhem para nossos irmãozinhos! Conversem com eles, cantem seus réquiens,
derramem neles suas lágrimas e se apiedem deles! Estão mortos ou doentes,
mas eram vivos, alegres, saudáveis, generosos e santos, antes da mineração.
- Córrego Rico! Seu leito rico pariu Paracatu e seus filhos, e você foi
apunhalado pelas costas, no leito onde você mesmo nascia, no Morro da Cruz
das Almas. Escavaram suas nascentes, você perdeu água, perdeu sangue, perdeu
fôlego, empobreceu, perdeu a alma. Ficou doente, te enfiaram numa
hemodiálise, piorou e foi parar numa UTI. Hemodiálise nenhuma te livra da
morte lenta do veneno que você não consegue mais depurar do seu corpo, por
falta d'água. UTI nenhuma vale as águas que te roubaram. Triste fim, para
quem nos deu a vida. Injustiça! Ignorância! Ingratidão! Burrice! Agora quem
terá piedade de nós? O que acontece ao rio, nosso irmão, acontecerá a nós.
Porque há uma ligação em tudo.
- São Domingos e Santo Antônio! Nossos santos irmãozinhos, pobrezinhos, seus
corpinhos sujinhos, raquíticos, retirantes, só fazem derramar lágrimas.
Parece que foram excomungados, retirados do nosso convívio, com violência. O
que fizemos? O que pudemos fazer, vendo irmãozinhos impiedosamente
violentados, desonrados, sangrados e mortos? São Domingos! Dominguinhos! Não
ouve mais não, Minguinho? Ainda há vida nesse corpinho seco, sujo, largado?
Que maldade fizeram a você? Nem funeral seu fizeram! Lágrimas sobre seu
corpinho não derramaram. Quem derramará sobre o nosso?
- Santo Antônio, Toninho querido, nosso irmãozinho! Maninho,
lembra do brinquedo alegre na água fresca, nas tardes quentes? Trituraram
sua infância, entupiram suas artérias, ergueram barragem de trombos. Para
UTI você não vai; hemodiálise também não. Já é tarde, irmãozinho, não há
mais o que fazer, porque de tudo nem ao menos tentamos salvá-lo antes.
Ninguém vai derramar lágrimas sobre seus restos mortais envenenados, porque
carregam a morte, a que queremos longe de nós, de incerto jeito. Você virou
espírito, lembrança apenas, retrato em álbum de família. O que será da nossa
família? Porque há uma ligação em tudo. Há uma ligação em tudo...
- Santa Rita, Ritinha, mina d´água e maninha minha, agora é sua hora e sua
vez! Até quando haverá mais uma vez? Até quando haverá irmãos dos rios, e
filhos das águas dos rios? Há uma ligação em tudo. Ignorância útil e
ganância fútil ameaçam matar Santa Rita, entupir suas nascentes com nova
barragem de lama. Só sobrará Santa Isabel, e aí será tarde demais, porque
todo rio aqui é santo, e há uma razão em tudo, e em todos.
- Paracatu, rio bom, rio santo! Filho dos rios santos que vão morrendo de
sede, trombose, afogamento, envenenamento. Suas águas são choros de criança.
*(*) Sergio Ulhoa Dani, em defesa da irmã, Ritinha, ameaçada de morte pela
mineração de ouro. 18 de fevereiro de 2009. Dia de uma reunião do COPAM para
apresentar o projeto da barragem das nascentes do Santa Rita.*
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