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GENOCÍDIO

GENOCÍDIO é uma palavra compreendida como "matar um gênero". Gênero é o "ser vivo" que se escolhe para matar e pode aparecer com referência ao ser escolhido e quando se quer matar todos (formicídio = matar formigas; inseticídio = matar insetos etc.).

Em relação ao ser humano o termo é empregado quando um grupo de pessoas tem a saúde e a vida afetadas porque alguém, ou um outro grupo tem interesses raciais, políticos, religiosos, econômicos etc, e pouco se importam em sacrificar outras pessoas para atingir seus objetivos.

O genocídio pode ser crime, como definido em lei, mas existe o genocídio não-crime quando o sacrifício é imposto por omissão ou negligência. Porém, seja crime ou não, genocídio é MATAR UM GÊNERO.

GENOCÍDIO EM PARACATU-MG
por Serrano Neves

Genocídio parece ser uma palavra muito forte para designar as consequências de uma atividade lícita autorizada pelo governo quando referida do ponto de vista da autoria, mas não parecerá forte quando examinadas as consequências da atividade.

A mineração em Paracatu-MG é feita a céu aberto,nos limites urbanos e em rocha arsenopirita de alto teor de arsênio e baixíssimo teor de ouro: uma parte de ouro para duas mil e quinhentas partes de arsênio puro que, traduzido em letalidade significa que cada grama de ouro extraída desagrega arsênio suficiente para matar 17.500 pessoas.

O arsênio desagregado se mostra na forma de solo exposto sujeito aos ventos e às chuvas que provocam sua dispersão na forma de poeira, soluções e gases que se espalham diretamente sobre a zona urbana e zona de entorno ambiental com alta probabilidade de contaminação das formas de vida animal e vegetal, e recursos hídricos superficiais e subterrâneos e solo.

A letalidade do arsênio é historicamente conhecida por ser insidiosa. Por não ter cor característica, nem cheiro ou sabor, foi usado com maestria pelos Borgia para eliminar seus inimigos.

O envenenamento por arsênio ocorre por ingestão de dose letal ou por bioacumulação lenta e gradual em períodos que podem durar dezenas de anos, tempo durante o qual produz efeitos como doenças de pele e rins, diversas formas de câncer, abortamentos, degeneração cerebral e degradação da descendência.

Cerca de 20 anos de dispersão de arsênio já seriam suficientes para caracterizar a epidemia, mas são anunciados mais 30 anos de atividade com aumento da produção, e a estimativa final é de movimentação de um bilhão de toneladas de rocha arsenopirita, gerando um depósito com o equivalente a um milhão de toneladas de arsênio puro, localizado à montante de importantes cursos d'água de uso humano e para irrigação.

SETE TRILHÕES DE MORTES HUMANAS (7.000.000.000.000) é o potencial letal do depósito final e permanente, mas o perigo concreto mais evidente é a contaminação pela dispersão.

A gravidade do cenário é de tal monta que supera a arguição de legalidade da atividade, visto que os índices oficiais de exposição tolerável não foram calculados para períodos de longa exposição diária e várias vias de ingestão concentradas num mesmo ambiente: ar, água, alimentos.

O cenário já atraiu a atenção de pesquisadora francesa que o colocou como de agressão a direitos humanos e o levou para sua tese de doutorado, mas remanesce com aparência de normalidade para as autoridades brasileiras que já receberam informação de boa qualidade e ainda não se moveram.

Quando a lei é invocada pelos empreendedores como autorização para causar dano conhecido a seres humanos e o governo concorda cogita-se que a saúde e a vida humanas estão sendo levadas ao sacrifício para que as metas de crescimento econômico sejam atingidas.

Enfim, o último foro ao qual recorrer diante das consequências genocidas é o da defesa da pessoa humana.

[Texto de apresentação do tema ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos]