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sábado, 19 de abril de 2014

O tesouro venenoso de Paracatu – Parte III

Ninguém sabe qual é a incidência de câncer no lugar.


A exposição crônica ao arsênio causa um catálogo de doenças. Esta foto mostra manchas de pele hipopigmentadas múltiplas de até 2 mm de diâmetro na perna de uma paciente vítima de intoxicação crônica pelo arsênio. Também visíveis nesta foto são as áreas eritematosas com leve hiperqueratose escamosa. Essa paciente desenvolveu um quadro sistêmico de arsenicose crônica a partir dos 47 anos de idade, com anemia poiquilocítica, hipertensão, infarto do miocárdio, câncer de mama, hipotireoidismo e osteoporose. Divisão menor da régua de medida: 1 mm. | Fonte: Dani S.U. Osteoresorptive arsenic intoxication. Bone 53 (2013) 541–545.

Os protestos contra a extração de minérios agora estão por toda a parte, no Brasil e em vários países vizinhos. Em lugares no fim do mundo, como Conceição do Mato Dentro, Alto Rio das Velhas ou Montes Claros, grupos de ativistas fazem demonstrações contra os impactos sociais e ambientais das novas minas. Por causa dos protestos, os planos para a abertura de uma gigantesca mina de ouro no rio Xingu na região amazônica tiveram que ser interrompidos há alguns meses. Ao que parece, o novo ceticismo sobre o boom das commodities tomou conta de todo o país.

Entretanto, a resistência é organizada principalmente pela classe média alta, instruída e abastada do país. Ela vive agora no campo; mantém relações com a política, a ciência e a imprensa e pode pagar advogados e publicitários. Materialmente, falta pouco a esta camada social. Ela também goza da riqueza da natureza e, por vezes, possui grandes propriedades rurais.

Contrastando com essa classe, colocam-se outros com uma visão radicalmente diferente. Em Paracatu, por exemplo, é o chefe de uma empresa de confecções de pequeno porte que recebeu o maior contrato de produção de sua história: uniformes para os funcionários da mina. Ou a líder de um projeto social para crianças que agora pode trabalhar muito melhor, porque ela recebeu uma generosa doação da Kinross. Ou o pequeno funcionário que investiu todas as suas economias em um lote de terra na borda da mina, na esperança de que um dia a empresa irá comprar o lote dele por uma soma enorme.

Acima de tudo, existem centenas de trabalhadores que ganham dinheiro com a mina – homens e mulheres que em Paracatu são representados pelo líder sindical José Osvaldo Rosa de Souza. ‘Já está claro para nós que a empresa trabalha com as táticas de apaziguamento’, diz ele . ‘Todos nós pagamos um preço por essa mina, mas não temos a menor idéia do quão alto esse preço realmente é.’

Souza acha que as coisas devem ser vistas pelo lado econômico. Aos custos indetermináveis opõe-se um benefício precisamente determinável. Segundo seus levantamentos, há 1.300 empregados diretos na mina, dos quais 60 por cento são de Paracatu. Mesmo simples operários ou seguranças ganham o equivalente a 660 euros por mês, portanto mais do que recebem os diaristas com seus dez euros por dia de trabalho, ou a renda ainda mais baixa na agricultura. ‘É por isso que todo mundo quer trabalhar na empresa’, diz o sindicalista. E alguns deles criticam que logo os mais bem situados instiguem os protestos contra a mina.

Mas, e as conseqüências para a saúde? O que adianta o dinheiro, se você pode morrer cedo? Rosa de Souza disse que o sindicato tentou obter estudos sobre as consequências para a saúde.

No entanto, quando se trata de estudos e fatos e provas, tudo é muito estranho nesta cidade. Mesmo pesquisas tão simples como a carga de poeira no ar ou certos exames de sangue freqüentemente se arrastam por anos; alguns resultados são publicados e outros não. E se há um resultado desfavorável para a mina – por exemplo, quando o sindicato identificou quatro funcionários da empresa com níveis extremamente elevados de arsênio no sangue –, logo em seguida aparecem novos relatórios que afirmam o contrário.

Sobre a incidência de câncer no local ninguém tem uma visão geral. Em Paracatu mesmo, o câncer não é diagnosticado, os pacientes são distribuídos para os especialistas em várias cidades vizinhas, e assim eles não aparecem nas estatísticas de saúde como ‘casos de Paracatu’. Em um estudo recente, 19 por cento das mortes em Paracatu foram catalogadas como ‘não esclarecidas‘.

Em todas as questões de saúde, contaminação, ruído e outras questões ambientais os oponentes e os gestores da mina travam uma guerra de papéis em ritmo de lesma. Estudos contra estudos, ‘é venenoso’ contra ‘não é venenoso’. Os oponentes dizem que a mineradora usa essa tática para esconder os perigos da mina. A Kinross assinala que obviamente respeita a lei. Que nas medições que ela própria executa na poeira e na água, nenhuma concentração problemática de venenos foi detectada. Que até mesmo as estradas e os caminhões são aspergidos com água, de acordo com os padrões internacionais, para que menos poeira se espalhe em redor. Que ela emprega técnica moderna para manter os impactos da mineração nos níveis baixos.

Continue lendo a reportagem:

http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/05/o-tesouro-venonoso-de-paracatu-parte-iv.html

sábado, 5 de abril de 2014

O tesouro venenoso de Paracatu - Parte II

"A mina é a pior coisa que já aconteceu em Paracatu" (Ranulfo Neiva)


A mina logo atingirá a borda da fazenda de Ranulfo Neiva. | © Photo Agency Giorgio Palmera / Eco

É uma tarde de domingo na fazenda de Ranulfo Neiva. Cerca de 30 membros de sua família pululam ao redor do fogão de lenha, o forno alongado das cozinhas de fazenda, como é típico nesta região do Brasil. Nas panelas ferve a carne de porco com feijão, há arroz, mandioca e folhas da couve amarga que cresce no planalto. Ranulfo é um agricultor e há 44 anos o apresentador de um programa de rádio popular na região. Se você perguntar por um especialista sobre Paracatu, seu povo e sua história, você será enviado para este homem.

Ranulfo Neiva diz: "A mina é a pior coisa que já aconteceu em Paracatu."

Entre os motivos para enxergar assim, ele tem também um pessoal: em poucos meses sua fazenda ficará tão colada à mina quanto a pequena casa do garimpeiro Teixeira. Porque a mina cresce, expande-se, e quase todos os vizinhos de Neiva já venderam suas terras para a empresa. Recentemente, veio gente da Kinross para perfurar o chão da terra de Neiva e fincar uma sonda ali; ele os mandou ir embora, e eles saíram furiosos.

Neiva é um opositor da mina – mas mesmo ele, a eminência parda no local, procura desesperadamente provas claras da sua nocividade. "Há tanto murmúrio, tantos rumores", diz ele. Médicos da cidade teriam dito a ele que uma criança que nasce hoje em Paracatu poderá estar doente aos 20 anos de idade. "Eu posso verificar isso?", pergunta ele, e responde a si mesmo: "Claro que não!" (1)

Na cidade dizem que a Kinross faz exames de sangue dos trabalhadores da mina, logo eles teriam muito arsênio nas veias. Outro rumor diz que sob a cidade há tanto ouro para pegar, que um dia ela iria desaparecer completamente do mapa. Que nada restaria exceto um buracão. Acredita Neiva nesses rumores? Em alguns deles. Por que ele ainda está aqui, por que ele permanece em uma fazenda que logo estará ao lado de um poço empoeirado e tóxico? Tais perguntas deixam Neiva com raiva, e ele se levanta. "Eu tenho aqui uma fazenda, uma família enorme. Eu não posso simplesmente levar tudo isso para algum lugar!"

Rumores, medos, exemplos de outros lugares: de tudo isto resultou a primeira reação há alguns anos. Quando a mina começou a expandir-se rapidamente, uma representante dos pequenos grupamentos dos povos tradicionais da região ao redor Paracatu, os chamados Quilombos, organizou manifestações e protestos ferozes. Sergio Dani, médico, cientista e herdeiro de uma enorme fazenda perto da mina iniciou uma campanha pessoal contra a Kinross; ele protestou contra um "genocídio" e cobriu a mineradora de ações judiciais, denúncias e queixas.

Desde então, a monotonia tornou-se coisa rara em Paracatu. Certa ocasião, os adversários da mina exigiram dos órgãos da administração pública que os caminhões empoeirados da mineração fossem proibidos de circular no meio da cidade; em seguida os caminhões das empreiteiras da Kinross foram reunidos em um comboio para uma contra-manifestação em frente à Câmara Municipal. Um jornalista e um cinegrafista local filmaram o documentário intitulado "Ouro de Sangue"(2); a transmissão do documentário pela televisão local foi iniciada, mas logo interrompida por razões inexplicáveis.

O geólogo Márcio José dos Santos escreveu um livro grosso em que todos os problemas causados ​​pela mina foram registrados, desde a engravidação de menores de idade pelos trabalhadores da mina vindos de outras regiões, até a poeira tóxica nos pulmões dos motoristas de caminhão.(3) Rafaela Xavier Luiz, uma jovem advogada, começou a estudar e catalogar casos de doenças inexplicáveis em sua cidade natal – do câncer de garganta até as lesões de pele. De vez em quando ela é entrevistada no programa de rádio local e, em seguida, diz coisas como: "Devemos continuar a nossa resistência".

O vereador Glewton de Sá chefia a Câmara Municipal de Paracatu. "Sim, há claramente mais e mais adversários da indústria da mineração", diz ele. "Mas há também o outro lado. Quando nós quisemos regular as explosões na mina -  nós não queríamos abolir as explosões, mas distribuí-las de certo modo durante o dia – teve gente aqui que queria nos linchar. Chegaram a dizer que nós iríamos destruir postos de trabalho."

Notas do Tradutor:

1. Certamente Ranulfo Neiva refere-se à necessidade de estudos e monitoramentos epidemiológicos e clínico-laboratoriais, conduzidos por médicos e cientistas independentes e com competência comprovada através de currículo. Esse é exatamente o objeto da Ação Civil Pública movida, desde 2009, pela Fundação Acangau contra a Kinross e a Prefeitura Municipal de Paracatu. Até o momento, o pedido desta ACP não foi satisfeito. 

2. Ouro de Sangue. Documentário de 2008, pelo jornalista e cineasta Sandro Neiva e o cinegrafista Alessandro Carvalho Silveira.  Acessível gratuitamente em: www.bloodstainedgold.blogspot.com. Leia também o artigo em: 

3. Santos, MJ.  2012. O ouro e a dialética territorial em Paracatu-MG: opulência e resistência. Tese de Mestrado, Universidade Católica de Brasília. Acessível em http://paracatumemoria.files.wordpress.com/2012/08/o-ouro-e-a-dialc3a9tica-territorial-em-paracatu.pdf


Continue lendo a reportagem:

http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/04/o-tesouro-venenoso-de-paracatu-parte-iii.html
http://www.alertaparacatu.blogspot.com/2014/05/o-tesouro-venonoso-de-paracatu-parte-iv.html